Pode parecer lugar comum começar pela definição de que “substantivos nomeiam as coisas do mundo”. Contudo, esse conceito é importante, porque mostra que é importante apropriar-se do mundo a sua volta de alguma maneira. As várias ciências fazem isso de diferentes maneiras: a Matemática usa a linguagem dos números, a Química desvenda os mistérios dos elementos da natureza, e a História analisa o passado. É por meio da linguagem que podemos apresentar nosso mundo para o outro, como o nomeamos, por exemplo. Dá uma lidinha no texto abaixo.
Marcelo, Marmelo, Martelo
Ruth Rocha
Uma vez, Marcelo cismou com o nome das coisas:
— Mamãe, por que é que eu me chamo Marcelo?
— Ora, Marcelo foi o nome que eu e seu pai escolhemos.
— E por que é que não escolheram martelo?
— Ah, meu filho, martelo não é nome de gente! É nome de
ferramenta…
— Por que é que não escolheram marmelo?
— Porque marmelo é nome de fruta, menino!
— E a fruta não podia chamar Marcelo, e eu chamar marmelo?.
ROCHA, Ruth. Marcelo, Marmelo, Martelo. 2 ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 2011.
► Pensa assim:
A obra de Ruth Rocha é direcionada ao público infantil. Claro que sabemos que você não é mais criança. No entanto, vamos fazer um exercício imaginativo:
O que levaria Marcelo (ou qualquer outra criança) a questionar os nomes dados às coisas do mundo ao seu redor?
Sejamos um pouco mais abrangentes:
Se pessoas, lugares, objetos têm um nome já estabelecido, o que impede que nós as rebatizemos conforme nossa relação com as pessoas, os lugares e os objetos?
Em nossa relação com o mundo que nos rodeia, precisamos compreender que os substantivos são os nomes dados arbitrariamente. Alterá-los seria interferir na relação que eles têm com aquela comunidade falante.

► Observe:
Marcelo, Marmelo, Martelo
Logo de manhã, Marcelo começou a falar sua nova língua:
— Mamãe, quer me passar o mexedor?
— Mexedor? Que é isso?
— Mexedorzinho, de mexer café.
— Ah… colherinha, você quer dizer.
— Papai, me dá o suco de vaca?
— Que é isso, menino!
— Suco de vaca, ora! Que está no suco-da-vaqueira.
— Isso é leite, Marcelo. Quem é que entende este menino?
O pai de Marcelo resolveu conversar com ele:
— Marcelo, todas as coisas têm um nome. E todo mundo tem que chamar pelo mesmo nome porque, senão, ninguém se entende…
— Não acho, papai. Por que é que eu não posso inventar o nome das coisas?
— Deixe de dizer bobagens, menino! Que coisa mais feia!
— Está vendo como você entendeu, papai? Como é que você sabe que eu disse um nome feio?
O pai de Marcelo suspirou:
— Vá brincar, filho, tenho muito que fazer…
Mas Marcelo continuava não entendendo a história dos nomes. E resolveu continuar a falar, à sua moda. Chegava em casa e dizia:
— Bom solário pra todos…
O pai e a mãe de Marcelo se olhavam e não diziam nada. E Marcelo continuava inventando:
— Sabem o que eu vi na rua? Um puxadeiro puxando uma carregadeira. Depois, o puxadeiro fugiu e o possuidor ficou danado.
A mãe de Marcelo já estava ficando preocupada. Conversou com o pai:
— Sabe, João, eu estou muito preocupada com o Marcelo, com essa mania de inventar nomes para as coisas… Você já pensou, quando começarem as aulas? Esse menino vai dar trabalho…
— Que nada, Laura! Isso é uma fase que passa. Coisa de criança… Mas estava custando a passar… Quando vinham visitas, era um caso sério. Marcelo só cumprimentava dizendo:
— Bom solário, bom lunário… — que era como ele chamava o dia e a noite.
E os pais de Marcelo morriam de vergonha das visitas. Até que um dia…
O cachorro do Marcelo, o Godofredo, tinha uma linda casinha de madeira que Seu João tinha feito para ele. E Marcelo só chamava a casinha de moradeira, e o cachorro de latildo. E aconteceu que a casa do Godofredo pegou fogo. Alguém jogou uma ponta de cigarro pela grade, e foi aquele desastre! Marcelo entrou em casa correndo:
— Papai, papai, embrasou a moradeira do Latildo!
— O quê, menino? Não estou entendendo nada!
— A moradeira, papai, embrasou…
— Eu não sei o que é isso, Marcelo. Fala direito!
— Embrasou tudo, papai, está uma branqueira danada!
Seu João percebia a aflição do filho, mas não entendia nada. Quando Seu João chegou a entender do que Marcelo estava falando, já era tarde. A casinha estava toda queimada. Era um montão de brasas. O Godofredo gania baixinho. E Marcelo, desapontadíssimo, disse para o pai:
— Gente grande não entende nada de nada, mesmo!
Então a mãe do Marcelo olhou pro pai do Marcelo. E o pai do Marcelo olhou pra mãe do Marcelo. E o pai do Marcelo falou:
— Não fique triste, meu filho. A gente faz uma moradeira nova pro Latildo.
E a mãe do Marcelo disse:
— É sim! Toda branquinha, com a entradeira na frente e um cobridor bem vermelhinho…
E agora, naquela família, todo mundo se entende muito bem. O pai e a mãe do Marcelo não aprenderam a falar como ele, mas fazem força pra entender o que ele fala. E nem estão se incomodando com o que as visitas pensam.
Disponível em: http://www.unilago.com.br/download/arquivos/20996/%5BInfantil%5D_Ruth_Rocha_-Marcelo_Marmelo_Martelo.pdf Data de acesso: 23/08/2019

Data de acesso: 16/03/2019.
A obra de Ruth Rocha vai no cerne da função dos substantivos. É claro que não se trata aqui, apenas, de como os substantivos devem ser classificados, flexionados ou utilizados. Trata-se de refletir sobre o que se sabe.
Este narrativo escrito pela escritora encanta pequenuchos até o diatual. Se você consegue se encantar e pensar sobre a língua que fala, é Marcelomarmelomartelo também.
Classificação dos substantivos
Os substantivos são classificados assim:
Comuns: nomeiam grupos de seres da mesma espécie .
Ex: jornal, país, cidade, animal, boca, beijo.
Próprios: nomeiam seres particulares de uma determinada espécie. São os nomes de pessoas, cidades, equipes de futebol, etc
Ex: Fortaleza, Salvador, Ceará, Brasil, América do Norte
Abstratos: nomeiam estados, qualidades , sentimentos ou ações cuja existência depende de outros seres. explica-se: a beleza, por exemplo, precisa de algo concreto (um vaso, um rapaz, uma árvore) para se manifestar.
Ex: tristeza, cansaço , prazer, alegria, beleza, verdade, ironia
Concretos: nomeiam seres cuja existência é própria, independente de outros.
Ex: beija-flor, mulher, Deus, vento, alma
Primitivos: são os nomes que não derivam de outros.
Ex: dia, noite, carroça, mar, água
Derivados: são os nomes formados a partir de outros.
Ex: diarista (de dia), noitada (de noite), carroceiro (de carroça), maremoto (de maré), aguaceiro (de água)
Simples: são os nomes que apresentam apenas um elemento formador, um radical.
Ex: caneta, pau, flor, couve, água, cheiro
Compostos: são os nomes formados de dois ou mais elementos.
Ex: caneta-tinteiro, couve-flor, água de cheiro
Coletivos: são os nomes comuns que servem para designar conjuntos de seres de igual espécie.
Ex: flora (de todas as plantas de uma região), tertúlia (conjunto de pessoas amigas), floresta (conjunto de árvores), panapaná (conjunto de borboletas)
Disponível em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/substantivo-1-conceito-e-classificacao.htm Data de acesso: 27/09/2019
É preciso ficar clara a organização proposta na gramática. A partir de agora, vamos apresentar as classificações dos substantivos, atentando para suas dualidades (comum x próprio; concreto x abstrato)

Outra organização abrange a existência de objetos e seres e a forma abstrata como vemos e sentimos o mundo.

Para além dessas classificações, podemos também pensar em substantivos primitivos ou derivados e substantivos simples ou compostos.


Mas, para além das classificações, há os usos que fazemos das palavras que conhecemos. Já parou pra pensar que somos Marcelo muitas vezes?


Perceba que os vocábulos “presidenta” e “monstro” atendem qualquer uma das definições pré-estabelecidas para que um substantivo seja considerado substantivo. O estudo aqui, contudo, precisa se concentrar no questionamento que pode ser feito: se é possível dar novos sentidos aos substantivos já existentes, por que é preciso ater-se e respeitar uma classificação gramatical?
A resposta estaria na própria pergunta, jovem padawan. Somente conhecendo as classificações aceitas em sua comunidade falante, mesmo que de modo inconsciente, criamos ou ressignificamos substantivos em posição de nomear “coisas” e não outras classes gramaticais, como verbos ou advérbios em lugar de seus nomes. Olha só:

Na tirinha de Alexandre Becker, a palavra “rede” foi ressignificada de acordo com o contexto. Além da “rede” enquanto tecido ou malha resistente, suspenso pelas duas extremidades, onde se dorme ou descansa (que deve ser entendida como substantivo concreto), há a “rede” que engloba as pessoas que conhecemos (um substantivo abstrato, no caso). No entanto, “rede social” passa a qualificar muito mais que um meio virtual de acessar pessoas que conhecemos, visto que, na rede de Armandinho, seus amigos estão de fato presentes, próximos, se visualizam e não se bloqueiam.