
Há várias formas de sustentar uma ditadura. Vimos anteriormente algumas mais específicas, mas ainda resta uma das formas mais violentas: pela repressão. A repressão feita pela Ditadura Civil-Militar no Brasil não se compara nem à da ditadura de Vargas (1930-1945), que contava com equipes específicas de tortura durante a 2a Guerra. A repressão foi uma constante entre os 21 anos de ditadura (1964-1985), sendo que, durante os “anos de chumbo” (1968-1973), as práticas de perseguição, tortura e assassinato foram mais intensas.
Entretanto, não podemos esquecer que havia outros problemas de ruptura democrática no cenário internacional. Foi o caso da Argentina (1966-1973), do Chile (1973-1990), e do Uruguai (1973-1985). Todos esses países também passavam por suas fases de ditadura, mais ou menos no mesmo tempo em que o Brasil. O que unia Brasil, Argentina, Chile e Uruguai tinha uma sigla: DSN – Doutrina de Segurança Nacional. A DSN foi posta em prática por esses países no momento em que os golpes eram orquestrados e aplicados. O princípio da DSN era o de que toda e qualquer possibilidade de organização comunista (perigo vermelho) deveria ser liquidada imediatamente. No Brasil, os militares e os civis que apoiaram a Ditadura Civil-Militar aplicaram essa doutrina ao deflagrar o golpe, em 1964.
Bom, mas o que isso tem a ver com o resto do mundo? Acontece que a DSN foi aplicada em todo o Cone-Sul – região sul da América Latina, apresentada no início deste capítulo. Isso criou alguns elos entre os regimes ditatoriais dessa região.
O maior e mais forte elemento deste elo entre as ditaduras do Cone-Sul foi a denominada “Operação Condor”. Essa operação dizia respeito ao diálogo confidencial e irrestrito entre os países do Cone-Sul (Brasil, Uruguai, Argentina e Chile). O que isso significava, na prática? Para além das fronteiras territoriais entre estes países, a Operação Condor estabelecia “Fronteiras Ideológicas”, ou seja, espaços em que o comunismo (lembrando que, para estas pessoas, qualquer coisa poderia ser chamada de comunismo) não poderia passar. Assim, os membros da repressão destes países tinham plena liberdade de exercer suas funções em outro país; mais ainda: se algum militante político do Brasil, por exemplo, desejasse se esconder no Uruguai enquanto estivesse sendo procurado, a repressão uruguaia poderia persegui-lo, torturá-lo e deportá-lo, tudo nos “limites legais” das ditaduras que estabeleceram esse pacto.
Mas não foi algo tão simples. As ditaduras do Cone Sul estabeleceram vários aparelhos de repressão ao longo dessa região, de forma que muitos militantes sul-americanos foram presos em diferentes países dessa localidade. Mas tudo era segredo para o restante da população. Somente alguns militares e alguns civis envolvidos poderiam saber – e nunca é tarde para lembrar: qualquer pessoa poderia fazer parte da repressão, desde que fosse aceita. Um caso bem curioso é o que levou a Operação Condor a público.
Um repórter esportivo recebeu uma denúncia, na metade dos anos de 1970, de que havia uma pessoa sendo mantida em cativeiro na rua João Pessoa, em Porto Alegre. Ao ir verificar se a denúncia era verdadeira, ele descobriu que sim, mas que um dos sequestradores era um antigo jogador de futebol do time Internacional de Porto Alegre e foi cooptado pela ditadura brasileira para fazer esse tipo de “trabalho”. O repórter levou a investigação adiante e descobriu que se tratava de um esquema internacional, que somente anos mais tarde foi descoberto integralmente – era a Operação Condor, que matou e torturou muitas pessoas em todos esses países para defender uma ideologia e uma forma de manutenção de poder.