Nem tudo são flores na política. O movimento de 1930 demonstrou isso para todos nós. Quando Vargas assumiu o poder, iniciou um processo de desmantelamento das velhas ordens políticas tradicionais. O que isso quer dizer, na prática? Se antes, com a política do café com leite, com as formas de coerção tradicionais dos coronéis e com os níveis de fraude política, a democracia brasileira não era tão democrática assim, a promessa de Vargas era de recuperar essa democracia. Claro que nem tudo o que um político diz é, necessariamente, o que ele vai fazer.
Não é possível dizer que Getúlio democratizou o Brasil em 1930. Ele instaurou uma ditadura; não havia eleição, não havia participação popular no governo, etc. Mas também, diz-se de seu governo que ele instaurou um processo de Revolução na política brasileira. Isso porque suas principais ideias estavam voltadas à forma de administrar o Brasil. Mas vamos com calma.
Antes de Vargas, a administração pública era dividida entre os estados. Ou seja, cada estado tinha autonomia política e administrativa ao seu modo, sem precisar se reportar ao presidente da República. Isso até poderia ser bom, mas os estados normalmente utilizavam essa autonomia para cometer irregularidades, como a promoção de coronéis que fraudavam eleições na base do voto de cabresto. No processo de Revolução, Vargas centralizou o poder político, econômico e administrativo. Em outros termos, dizemos que Getúlio Vargas passou a mandar em tudo, e os estados precisavam se reportar a ele, antes de fazer qualquer coisa. Um governo centralista, antidemocrático, autoritário e, ao mesmo tempo, revolucionário. Estranho, não?
Pois é aqui que mora um dos principais dilemas da historiografia e que normalmente gera um grande debate.
Refletindo #2
Vamos ler o que pensava Jacob Gorender sobre a Revolução de 1930:
“Antes de mais nada, desejo me manifestar sobre essa expressão Revolução de 30, que se generalizou no jornalismo, na retórica e até nas teses acadêmicas. É uma expressão da qual eu discordo, porque não creio que tenha havido em 30 uma revolução, no sentido científico da palavra, isto é, uma transformação tão profunda que atingisse a base econômica da sociedade, varrendo relações de produção e instaurando novas relações de produção. Nem na esfera do Estado creio que tenha havido uma mudança tão radical quanto a derrubada de uma classe dominante antiga e a ascensão de uma nova classe revolucionária ao poder.
Mas isso não significa que eu considere que 30 foi uma página em branco na História do Brasil. Verificou-se, naquele ano, um movimento político-militar que marca um período, um antes e um depois, e no bojo do qual surgiram tendências, cujo desenvolvimento nós presenciamos até hoje. Penso que o movimento político-militar de 30 cumpriu, em primeiro lugar, uma função destrutiva de grande importância. Apeou do poder do Estado os proprietários rurais, os cafeicultores que dominavam a Primeira República e que, pelo estilo de governar e pela política econômica que imprimiam, já constituíam um estorvo ao desenvolvimento do país.
No seu lugar, ascende outro setor da classe dos proprietários rurais, uma composição de setores nos quais prevaleciam aqueles que tinham uma ligação maior, a meu ver, com o mercado interno e que, por isso, puderam mostrar-se mais sensíveis a um projeto de industrialização do país. Eles foram sendo ganhos para a industrialização capitalista, à medida que a própria burguesia industrial ganhava força e influência no aparelho de Estado, porque, evidentemente, eu não compartilho a ideia de que a Revolução de 30 foi uma revolução burguesa.
Referindo-me, especificamente, às conseqüências da Revolução de 30, ou do movimento político-militar de 30, na organização do Estado brasileiro, eu acredito que se poderia sumariar essa influência da seguinte maneira:
Em primeiro lugar, me parece que o movimento político-militar de 30 deixou completamente intocado o campo, onde viviam, naquela época, cerca de 70% da população brasileira. Não se tocou nas oligarquias rurais, como aconteceu com as salvações do governo de Hermes da Fonseca. As oligarquias aliadas à Primeira República foram postas abaixo e vieram à tona novas oligarquias. Os tenentes se compuseram com as oligarquias em todos os Estados. Nesse aspecto, então, o movimento não trouxe nada. Mas isso não significa que em outros aspectos ele não trouxe alguma coisa. Em primeiro lugar, a centralização autoritária. Não porque fosse uma ideologia dos próprios tenentes – e era de fato. Não porque o próprio Getúlio, com a sua formação positivista, castilhista e influenciado pelas idéias do fascismo italiano, tendesse para isso. Mas, porque as próprias exigências da época conduziram nesse sentido”.
(Adaptado de: Jacob Gorender, Um Estado a serviço do capital, Folha de S.Paulo, 19/10/1980, Folhetim.)
Pensando na argumentação do historiador acima, reflita sobre a relevância do Movimento de 1930 e sobre o porquê de Gorender dizer que, para ele, não foi uma Revolução? Depois de responder, voltaremos a discutir um pouco mais sobre o processo de governabilidade de Vargas.