Revoltas Regenciais

O objetivo, agora, é oferecer um panorama geral acerca das principais revoltas regenciais. O período regencial, para além das disputas entre as elites, foi marcado pela agitação social nas províncias brasileiras. Antes de analisar as revoltas propriamente ditas, observem o excerto abaixo:

“Dizem que o som do silêncio, às vezes, pode ser ensurdecedor. No período das regências […] a história confirma a expressão. O país era grande, e a corte desconhecia as especificidades de suas diferentes regiões, que vistas de longe pareciam quietas, serenas, e davam a impressão que assim continuaria para sempre […] o sentimento autonomista era, porém, forte nas províncias
[…] o debate político girava ao redor de dois programas políticos decididamente antagônicos: o centralismo da corte, de um lado, e o autogoverno provincial, de outro” (SCHWARCZ e STARLING, 2015, p.243)

Problemas Socioeconômicos e Crise Política

Desde o Primeiro Reinado, o império convivia com problemas econômicos decorrentes de alguns fatores: 1) desequilíbrio na balança comercial; 2) aumento da dívida externa; 3) redução do preço dos produtos exportados pelo Brasil no mercado internacional (açúcar, couro, fumo, mate, algodão, etc.); 4) baixa arrecadação de impostos; 5) pagamento de indenização de 2 milhões de libras esterlinas para Portugal; e 6) despesas com operações militares. Essas dificuldades econômicas se refletiam no cotidiano da população, que ficava insatisfeita com o aumento do custo de vida. Por outro lado, o quadro de crise econômica e de problemas sociais aprofundou as críticas ao governo central, pois agora já não era possível canalizar as críticas contra Portugal. Logicamente, as revoltas regenciais possuem suas particularidades, contudo, é importante salientar que esse quadro mais amplo motivou descontentamentos contra o Império e a centralização política.

Cabanagem (1835-1840)

A Cabanagem1 foi uma revolta popular que ocorreu na Província do Grão-Pará (atual Pará). Entre as causas da revolta, é possível citar as críticas à centralização política, o sentimento anti-lusitano, a miséria e a exploração. Inicialmente apoiado por líderes fazendeiros, estes acabaram se distanciando do movimento por conta dos ideais de alguns protagonistas da revolta – como era o caso da defesa da abolição da escravidão e da distribuição de terras para os lavradores. Em janeiro de 1835, os revoltosos conquistaram Belém, assassinaram o presidente da província – Bernardo Lobo de Sousa – e tomaram o poder. Apesar disso, os cabanos não conseguiram organizar um governo eficiente e acabaram sofrendo com a repressão das tropas imperiais. Aliado a isso, a revolta foi abalada por dissidências internas, indefinições na construção de um programa de governo e por uma epidemia de varíola que assolou a capital Belém (BRASIL MONÁRQUICO, 2017c). Após intensos conflitos, as tropas imperiais restabeleceram a sua autoridade na província em 1840. Por fim, calcula-se que cerca de 30% da população da província – cerca de 30 mil pessoas – tenha sido morta durante os embates.

1A revolta ficou conhecida como “Cabanagem” por conta da atuação dos cabanos, que eram homens e mulheres pobres, negros, indígenas e mestiços que trabalhavam na extração de produtos da floresta e viviam em casas assemelhadas a cabanas (COTRIM, 2012, p.473)

Revolução Farroupilha (1835-1845)

A Revolução Farroupilha aconteceu no Rio Grande do Sul, tendo sido a revolta mais longa da história do Brasil. Entre as suas causas, é importante destacar os problemas econômicos vividos pelos produtores gaúchos – como era o caso da concorrência do charque (carne-seca) argentino e uruguaio no mercado brasileiro. Combinado a isso, a falta de autonomia administrativa da província contribuiu para que, sob a liderança de Bento Gonçalves e David Canabarro, os revoltosos dominassem a capital Porto Alegre e, em 1836, anunciassem a criação da República Rio-Grandense. Já no Segundo Reinado, o Império, através de ações militares e negociações, conseguiu celebrar a Paz de Ponche Verde (1845) com os farroupilhas2. Por outro lado, um episódio pouco explorado ocorreu através de um conluio entre as tropas imperiais e os farroupilhas – o chamado Massacre de Porongos (1844) – que consistiu em uma emboscada contra os lanceiros negros – escravos que haviam sido libertos para lutar ao lado dos farroupilhas3. Em suma, é preciso lembrar que a Revolução Farroupilha foi um movimento liderado por setores da elite gaúcha que se sentiam explorados por conta de um sistema de altos tributos (FAUSTO, 2015, p.93).

2 No caso da Revolução Farroupilha (1835-1845), o Império mais concedeu do que reprimiu. Entre as concessões realizadas, estavam a anistia para os revoltosos; a incorporação dos soldados farroupilhas ao exército imperial, ocupando postos militares equivalentes; direito à liberdade dos escravos fugitivos que haviam lutado ao lado dos farroupilhas; taxação sobre o charque platino importado; e indicação, pelos farroupilhas, do presidente de sua província.

3 Para mais informações a respeito deste episódio, ver site: http://www.sul21.com.br/jornal/revolucao-farroupilha-a-batalha-de-porongos-covardia-traicao-falsidade/
Acesso em 23 de agosto de 2019

Revolta dos Malês (1835)

Ocorrida em 1835 em Salvador, a Revolta dos Malês é assim conhecida por conta da participação dos malês, que eram escravos africanos de origem ou formação muçulmana. Estes conseguiram mobilizar um contingente de revoltosos e arrecadar recursos para a compra de armas e munições. Nesse sentido, os malês elaboraram um plano de luta contra os donos de escravos para conseguir a liberdade (COTRIM, 2012, p.475). Contudo, uma denúncia da conspiração contribuiu para as autoridades se prepararem para o embate contra os revoltosos, o que de fato aconteceu na noite de 24 de janeiro de 1835. Devido à sua inferioridade numérica e de armamentos, um grupo de 1.500 negros – liderados por muçulmanos como Manuel Calafate – foi massacrado pelas tropas da Guarda Nacional (BRASIL MONÁRQUICO, 2017d). Cerca de setenta revoltosos morreram, enquanto outros quinhentos foram condenados ao açoite público, à deportação e ao fuzilamento. Em resumo, é importante lembrar que essa revolta representa o levante de escravos urbanos de maior dimensão nas Américas, tendo efeitos duradouros sobre o Brasil escravista (REIS, 2003, p.09)

Sabinada (1837-1838)

Após a renúncia do regente Feijó (1837), ocorreu, na Bahia, a revolta da Sabinada, que é considerada como de menor vulto se comparada às outras do período regencial. O objetivo da revolta, que tinha no médico Francisco Sabino o seu principal líder, era o de instituir uma República na província. Contando com o apoio de parte do exército, os sabinos conseguiram conquistar a cidade de Salvador (1837), porém, o movimento foi caótico nas ações e contraditório nas intenções (SOUZA, 2009). Além da baixa adesão popular – que temia uma nova insurreição de escravos como havia ocorrido na Revolta dos Malês -, parte dos senhores de engenho do Recôncavo baiano que inicialmente apoiaram a revolta, se distanciaram dos líderes rebeldes e começaram a dar suporte às tropas legalistas. Depois de inúmeros combates, a revolta foi sufocada em março de 1838. Em resumo, é importante diferenciar a Sabinada, que foi coordenada pelas camadas médias de Salvador (militares, profissionais liberais, empregados públicos), da Cabanagem (uma rebelião popular) e da Revolta dos Malês (um levante escravo).

Balaiada (1838-1841)

A revolta da Balaiada ocorreu no Maranhão, encontrando-se relacionada ao contexto de crise econômica e ao descontentamento dos “bem te vis”4. Estes últimos, após serem incitados por líderes como Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, receberam apoio dos sertanejos pobres da província. Sem muita organização política, os revoltosos conseguiram tomar a cidade de Caxias, que é uma importante cidade da região. Considerando que o movimento não era harmônico e/ou coeso, os revoltosos não conseguiram se sustentar política e militarmente, sendo derrotados pelas tropas imperiais em 1841.

4 Os “bem te vis” designavam a população urbana que era contrária aos abusos dos proprietários de terras e comerciantes portugueses.

Um Balanço do Período Regencial

Não são poucos os historiadores que consideram o período regencial como um dos mais cruciais da História do Brasil (SOUZA, 2009; BASILE 2009). De um lado, existem opiniões que ressaltam a instabilidade, a descentralização, as revoltas e as ameaças à unidade e à estabilidade do Império. Por outro lado, há opiniões que salientam que a Regência foi uma singular fase de triunfo das liberdades necessárias ao progresso da nação. Representando o “laboratório” da nação, Basile (2009) argumenta que, durante a Regência, houve um amplo debate público acerca dos fundamentos do governo, das instituições políticas, dos nexos entre as províncias e da ordem social. A eclosão das revoltas regenciais seria uma das faces desse processo de disputas e de frágil institucionalidade do poder central, frequentemente criticado pelas revoltas do período. Um aspecto importante diz respeito às diferentes características das revoltas, ora protagonizadas por escravos (Malês), ora por camadas médias (Sabinada) e ora por proprietários rurais (Farroupilha). No entanto, é interessante notar que, ou por falta de vontade política, ou pelo fracasso, as revoltas regenciais não conseguiram modificar as estruturas da sociedade brasileira do século XIX, principalmente o latifúndio e a escravidão. Apesar dos ideais republicanos e liberais presentes em algumas dessas revoltas, a repressão e o controle das mesmas significaram a consolidação do “regresso” e da centralização monárquica ao longo do Segundo Reinado.

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