“Década Perdida”
Internacionalmente, os anos 1980 são marcados pela emergência da Terceira Revolução Industrial, pelo fortalecimento do discurso neoliberal e pelo declínio da URSS. De um lado, a Terceira Fase da Revolução Industrial propiciou a reorganização e a fragmentação das forças produtivas internacionais, contribuindo para o esgotamento dos modelos de forte participação estatal – Estado de Bem-Estar Social (Europa) e Estado desenvolvimentista (América Latina). De outro lado, o fortalecimento do discurso neoliberal e o declínio da URSS eram faces da mesma moeda – a disseminação das ideias neoliberais vinha carregada de discursos anticomunistas –, intensificando as críticas aos antigos modelos de desenvolvimento. No Brasil, o quadro era de crise do nacional- desenvolvimentismo, de aumento drástico dos índices de inflação e de endividamento externo. É importante saber que, tanto no Brasil quanto na América Latina, os anos 1980 são conhecidos como “década perdida”.
Transição Política
Se, no campo econômico, o quadro era de crise, no campo político era de transição democrática. O general João Baptista Figueiredo, eleito pelo Colégio Eleitoral em 1979, se comprometeu a continuar a abertura “lenta, gradual e segura” do sistema político brasileiro. Comentaremos a seguir a reorganização dos movimentos sociais e algumas medidas redemocratizantes tomadas pelo governo militar.
Os Movimentos Sociais
A reorganização dos movimentos sociais ao longo dos anos 1980 representa um ponto importante para compreender o processo de redemocratização no país, em parte por conta do adensamento das críticas ao regime militar. De um lado, estouraram movimentos grevistas a partir de 1978, sobretudo na região do ABC paulista, demandando reajustes salariais. Com o lema de “braços cruzados, máquinas paradas”, os trabalhadores da região ficaram 41 dias de greve em 1980, refletindo as insatisfações com as políticas salariais e trabalhistas do governo. Mas não foi somente o sindicalismo que se fortaleceu durante os anos 1980. Em 1979, a União Nacional dos Estudantes (UNE) foi legalizada, ao mesmo tempo em que a Igreja Católica, através das comunidades eclesiais de base (CEBs), ampliava os espaços de associação e atuação coletiva. Evidenciava-se, dessa forma, um forte sentido de associativismo e mobilização sindical e popular, assim como a presença de uma crescente opinião pública contrária ao regime militar (REIS, 2016). Por fim, é importante mencionar a fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) em 1984, que retomou as reivindicações por reforma agrária, intensificou as críticas ao regime militar e ampliou para as zonas rurais a atuação dos movimentos sociais e populares no Brasil.
Lei da Anistia (1979)
É possível dizer que as críticas ao autoritarismo do regime militar vinham se intensificando, englobando um amplo espectro social – como sindicalistas, trabalhadores, grupos de empresários, Igreja Católica, associações artísticas e científicas, organizações estudantis e de advogados, universidade e imprensa (COTRIM, 2012, p.697). Um primeiro passo para atender as demandas por redemocratização foi dado com a promulgação da Lei da Anistia (1979), que beneficiava os presos políticos, os brasileiros exilados (como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, entre outros) e os políticos cassados. No entanto, a lei foi tão ampla que também anistiou os militares acusados de torturar e assassinar opositores, não seguindo o exemplo de outros processos de abertura política na América Latina.
O Pluripartidarismo
Durante a ditadura, o sistema político era dividido em dois partidos: do lado da situação, estava a ARENA; enquanto que, na oposição, estava o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em 1979, após aprovação no Congresso, uma nova Lei Orgânica dos partidos restabeleceu o pluripartidarismo no país. Grande parte dos parlamentares da ARENA migraram para o Partido Democrático e Social (PDS), que permaneceu apoiando o governo. Desmembrado o MDB, formaram-se novos partidos, como o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Popular (PP). A nova legislação também previa eleições diretas para governador de estado em 1982.
Diretas Já!
No início dos anos 1980, amplos setores da sociedade brasileira estavam insatisfeitos com a situação do país. A crise econômica retirava a legitimidade do governo militar, que não conseguia solucionar os problemas da inflação e do endividamento. Por outro lado, os anseios por maior participação política resultaram em um amplo movimento popular, que defendia a aprovação da emenda proposta pelo deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT). A estratégia de atuação desse “amplo movimento” consistia na realização de marchas e comícios nas principais capitais do país. Se aprovada, a emenda instituiria o voto direto para presidente da República nas eleições de 1985. Apesar da grande mobilização popular, os parlamentares ligados ao governo militar – sobretudo o grupo liderado pelo deputado federal Paulo Maluf – conseguiram os votos necessários para barrar a emenda Dante de Oliveira, causando grande frustração nacional. Por fim, é importante mencionar que, com a transição via eleição indireta, a redemocratização no Brasil significou mais uma “conciliação” entre as elites dirigentes do que uma “ruptura” de um modelo autoritário para um modelo democrático.
Eleição de Tancredo Neves
Contrariando a vontade de grande parte da população, as eleições de 1985 aconteceram de modo indireto. O Colégio Eleitoral ficou responsável por escolher entre dois candidatos: 1) Paulo Maluf, deputado e candidato oficial do PSD; e 2) Tancredo Neves (PMDB), governador de Minas Gerais, que comandava a chapa “Aliança Democrática”. Parte da “Aliança” abrigava deputados da “Frente Liberal”, formada por dissidentes do PDS e membros do PMDB. Com José Sarney na vice-presidência, Tancredo Neves foi eleito indiretamente em janeiro de 1985.
A Morte de Tancredo Neves
Apesar de eleito indiretamente, a maioria da população viu com bons olhos o nome de Tancredo Neves, considerado um grande conciliador. Na véspera de sua posse, Tancredo foi atingido por uma grave enfermidade, não podendo assumir a presidência. Pouco tempo depois, não resistiu e veio a falecer em 21 de abril de 1985, deixando o Brasil de luto. Com a sua morte, o cargo de presidente deveria ser assumido pelo vice-presidente, o senador José Sarney (PFL).