Pré-Socráticos

Tales de Mileto (624-546 a.C.) e o Monismo Material

Por enquanto, não precisamos concordar ou não com a afirmação de Tales, o importante é perceber que sua proposta para a constituição básica do mundo não se dava por uma revelação espiritual enviada pelos deuses. Mais importante ainda é notar que Tales, ao propor um princípio unificador de todas as coisas que existem, está separando aquilo que se apresenta a nós pelos sentidos daquilo que podemos inteligir e compreender a partir da nossa faculdade de raciocinar. A diferença entre sensível e inteligível, que movimenta grande parte da filosofia posterior, começa, com Tales, a ser delineada.

As teses monistas são aquelas que apresentam a multiplicidade do mundo como constituída de um princípio único (a água, o ar ou o fogo). Ou seja, se decompormos tudo que existe, no final teremos algo que é uma base única.

Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.) e a Multiplicidade em Movimento

Ainda em torno da distinção entre o sensível e o inteligível, outro famoso filósofo apresentará uma tese diferente daquela de Tales. Heráclito, que teria dito a famosa frase “Um homem não pode banhar-se duas vezes no mesmo rio”, postulou a fluidez constante do mundo. Note que o pensador de Éfeso parece fazer o caminho inverso do percorrido pelo filósofo de Mileto. Se antes se buscou inteligir da multiplicidade que nos é apresentada pelos sentidos um princípio unificador, agora, o que se tem é uma tentativa de fragmentar aquilo que identificamos como uno. Outra maneira de expressar a questão posta por Heráclito é perguntar: “o que é o mesmo?”

O homem que retorna ao rio é um indivíduo que pode ser identificado, é único, mas a que ponto tudo aquilo que compõe o reconhecimento deste indivíduo deixa de ser um conjunto para se tornar um homem específico? Se pensar nestes termos parecer um pouco difícil – e nos próximos capítulos veremos como Aristóteles resolve essa dificuldade –, podemos fazer o experimento partindo não do homem, mas do rio. O que define o rio são suas encostas ou suas águas? Se não há rio sem água e as águas do rio estão em constante mudança, é possível dizer que o rio permanece o mesmo? Para Heráclito, a multiplicidade do ser também é uma multiplicidade de conflitos na luta de contrários que nos constituem e de cuja síntese resulta a harmonia.

Mais uma vez, o importante está na atitude de separar, no exercício intelectual, aquilo que é apreendido pelos sentidos e reconhecido imediatamente (neste caso, um rio específico), e aquilo que pode ser pensado e abstraído do que os sentidos nos oferecem.

Parmênides de Eleia (544-450 a.C.) – Tudo é uma única coisa que nunca muda

Dentre os pré-socráticos, Parmênides foi quem levou mais longe a atitude filosófica de submeter ao exame da razão aquilo que os sentidos nos apresentam. Como resultado disso, sua influência na história do pensamento é decisiva. Ao contrário de Heráclito, que via fluidez e movimento em tudo, Parmênides propôs algo extremamente contraintuitivo. Sua posição era uma posição lógica que, diferentemente da de Heráclito, rejeitava a contradição.

Ao rejeitar a mudança e o movimento, Parmênides não estava negando nossa percepção da mudança e do movimento ou da multiplicidade do mundo. Para o filósofo, as coisas que existem se apresentam a nós de maneiras muito diferentes, podem ser duras ou macias, claras ou escuras, quentes ou frias, grandes ou pequenas, podem ser naturais, como plantas e bichos, ou fabricadas, como embarcações ou casas. Mas, se por um lado os sentidos nos mostram essa multiplicidade, nossa razão pode apreciar em todas essas coisas, tão distintas entre si, uma propriedade comum: elas são. O ser passa a ser compreendido como uma propriedade essencial das coisas. E, com base nisso, Parmênides resolveu afrontar ainda mais os sentidos e a percepção que os gregos tinham do mundo, porque, afinal, é impossível dizer que uma coisa é e não é, ao mesmo tempo. O ser, portanto, é tudo aquilo que é, e o não ser, não é. O que não é não existe, e, não existindo, não pode modificar o que existe, de modo que tudo aquilo que existe é imutável.

O princípio da não-contradição está na base de toda lógica e expressa a coesão de tudo aquilo que pode, de fato, ser pensado. Hoje em dia, com o desenvolvimento das notações lógicas que expressam as relações entre nossos pensamentos, convencionou-se a expressá-lo formalmente da seguinte maneira:
¬(P ¬P). Você vai aprender mais sobre estes símbolos nas aulas de lógica. Mas o que está expresso na fórmula é que não é possível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Você pode pensar que uma maçã é vermelha ou que uma maçã não é vermelha, mas você não pode pensar que uma mesma maçã é, ao mesmo tempo, vermelha e não vermelha.

Mas e as mudanças que vemos, constantemente, ao abrirmos nossos olhos para o mundo? A chuva caindo, os nascimentos e as mortes? Parmênides não nega que nossos sentidos nos apresentem um mundo em constante mudança, mas, para o filósofo, as mudanças não passam de ilusão dos sentidos. Sua tese abriu caminho para a Ontologia, o estudo do ser enquanto ser.

Conclusão

Tales dá início a uma tradição que consiste em buscar, naquilo que obtemos do mundo pelos sentidos, informações que não nos são dadas pelos olhos, pelo olfato, pela audição, pelo tato ou pelo paladar. Dizer que há um princípio único que organiza todas as coisas do mundo é abrir mão de compreendê-las apenas por suas características sensíveis. Essa atitude inédita diante do mundo revolucionou a ciência e as tecnologias. Mas e o sentido da vida? E o bem e o mal? E a verdade? Os pré-socráticos se ocuparam da physis (física), ou seja, da natureza do mundo e dos movimentos. A postura política do homem grego, diante das dúvidas sobre o universo, foi a de tentar resolvê-las apelando para a razão. Mas é com Sócrates que a atitude filosófica é radicalizada e, mais do que investigar a natureza do mundo, os filósofos passarão agora a usar a razão para investigar um pouco de tudo.

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