Manoel de Barros (1916-2014)

Data de acesso: 27/09/2019
Poema é lugar onde a
gente pode afirmar que o delírio é uma
sensatez.
BARROS, Manoel de. Retrato do artista quando coisa. Rio de Janeiro: Record, 1998.
Manoel de Barros é o poeta do nada, é o poeta do ócio, é o poeta rebelde mais doce que houve, pois ele escrevia com a doçura e com a ingenuidade de uma criança. Sem querer ser raivoso contra um sistema que nos reduz a acreditar que precisamos preencher todo o nosso tempo somente com aquilo que é “útil”, que serve ao trabalho, ao dinheiro e ao status, Manoel escrevia com leveza. Leveza que em uma sociedade de tanta luta para conquistar o material é, por si só, revolucionária. Leveza por achar mais importante o bater de asas de uma borboleta do que o ouro.
Manoel de Barros foi um poeta nascido em Cuiabá em 1916. Ele morreu, recentemente, em 2014.
O poeta, que viveu quase um século, contou em uma entrevista que nunca parou em emprego nenhum, achava tudo chato, até que um dia conseguiu que sua fazenda rendesse e, a partir desse momento, pode virar um vagabundo profissional. Segundo o autor, ele comprou o ócio para ficar à disposição da poesia, esse terreno mágico no qual as coisas não são tão certinhas, tão quadradas, tão cinzas.
Dizia ele que: “Poesia é voar fora da asa“.
A primeira obra do poeta, datada de 1937, chamava-se poemas concebidos sem pecado. Eram poemas dentro da lógica do modernismo brasileiro. Manoel escreveu por muito tempo! De 1937 até a segunda década do século XIX, dedicou-se à poesia, e aí podemos imaginar como a obra do autor foi se transformando nessas décadas.
Nos anos 40, Manoel passou dez anos no pantanal e, durante esse período, sua poesia começou a abordar a natureza. Essa temática acompanhou o poeta por toda a vida. Esse contato com a natureza é profundo e aparece na poesia do autor de um jeito lindo, de alguém que realmente sente a natureza.
Das muitas questões que poderíamos falar a partir da obra de Manoel de Barros, uma das mais essenciais tem a ver com o que podemos aprender sobre como é desoriginal olhar o mundo de forma quadrada. A poesia de Manoel de Barros nos ensina que precisamos olhar para tudo de um jeito “maluco”, sem fronteiras.
As coisas não querem ser vistas por pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul –
Que nem uma criança que você olha de ave.
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2016.
Então, não sejamos razoáveis, não sejamos previsíveis, vamos olhar para as nuvens e ver dinossauros! Esse poema encontra-se em um dos livros mais famosos do autor, O Livro das Ignorãças, de 1993.
Um dos principais temas de sua obra é a busca pela simplicidade e a oposição ao excesso, ao “esplendor”. Em uma sociedade tão egocêntrica, na qual o brilho, a pompa, o excesso, a fama, o sucesso e a riqueza material são bens pelos quais as pessoas dão o sangue, temos um poeta que é um vagabundo profissional e que prefere as formigas ao luxo. O poeta está fora da lógica do brilho. Ele não tem esplendor. Ele é mais ferrugem do que fulgor. Em uma sociedade tão obcecada com o que é útil, com o que é palpável, com o que é quantificável, o poeta trabalha arduamente para fazer o que é desnecessário. A temática da simplicidade está muito bem representada neste poema abaixo:
Não é por me gavar
mas eu não tenho esplendor
Sou referente pra ferrugem
mais do que referente pra fulgor
Trabalho arduamente para fazer o que é desnecessário
O que presta não tem confirmação
o que não presta, tem.
Não serei mais um pobre-diabo que sofre de nobrezas
Só as coisas rasteiras me celestam.
Eu tenho cacoete pra vadio
As violetas me imensam.
BARROS, Manoel. Poema retirado da obra “Livro sobre Nada”. Rio de Janeiro: Record, 1996
Observem que o poeta afirma que não sofre de nobrezas. As violetas – essa coisa simples e bela da natureza – é que guardam o que ele mais precisa. Temos aí a oposição entre o luxuoso e o simples, e quase sempre esse “simples”, na poesia de Manoel de Barros, é metaforizado por elementos da natureza.
Esse poema lindo está no Livro sobre nada, de 1996, e é importante saber que, dentro da obra de Manoel de Barros, o nada é tudo.
Ler Manoel de Barros pode ser bem transformador!