Ontem e Hoje: o Que Se Foi e o Que Ficou da Ditadura?

No ano de 2011, foi instaurada a Comissão Nacional da Verdade. Seu nome é pretensioso e sua função é importante, ainda que questionável. Importante porque ela pretendia retomar muitos pontos que ficaram para trás na memória oficial do Brasil, como os crimes cometidos pelos golpistas durante a ditadura civil-militar. Questionável porque ela criou um ambiente de narrativa que contrapõe os bons e os maus, como se todos os seres humanos fossem completamente bons ou completamente maus, e não fossem humanos – uns com mais e outros com menos níveis de maldade.

Os impactos da Comissão Nacional da Verdade foram muitos. Milhares de páginas com documentos de transcrições de entrevistas com muitos militantes políticos daquele período. Foram constatados quase mil desaparecidos políticos, muitos políticos partidários que estavam no exercício de suas funções no período e foram comprovadamente assassinados pela ditadura, etc. Mais do que isso, a CNV mexeu em uma ferida muito profunda do nosso passado.

Quando ocorreu a transição democrática, ou seja, a passagem da ditadura para uma nova democracia, a partir de 1985, o modo como a transição foi feita é muito criticado. Em alguns outros países sul-americanos em que isso aconteceu, como na Argentina, no mesmo momento em que a redemocratização foi feita, os militares foram julgados, os civis que os ajudaram também foram julgados e quem foi condenado foi preso. Era um sistema diferente do que aconteceu no Brasil. Aqui, nenhum militar foi condenado ou sequer julgado pelos crimes realizados. Essa transição lenta e gradual não permitiu ao povo brasileiro se revoltar com o sistema em que estava submerso; não o permitiu compreender tudo o que acontecia nessas “perigosas transações”. E é claro que, com isso, muitas feridas ainda doem no corpo institucional do nosso país.

Os aparatos repressivos, que tanto nos fizeram “doer” no período da ditadura, foram reconvertidos em uma espécie de “policiamento ostensivo”. A polícia militarizada foi uma criação da ditadura civil-militar, idealizada com liberdade para atirar em quem fosse necessário, e ainda é a polícia que promove a segurança brasileira, ao lado da polícia civil – essa mais discreta, em muitos casos.

Ultimamente, não é incomum – e não era nos anos de 1990 também – ouvir a frase “na ditadura era bom”. Essa frase revela um desconhecimento de todas as crises que a ditadura escondeu, toda a corrupção que existia, mas que não era possível ser descoberta por conta da violência contra os que tentavam expor esses crimes. A mesma frase esconde o problema da nossa redemocratização mal-feita, que ainda hoje repercute no desconhecimento do que é, de fato, uma ditadura: um regime de opressão, em que o menor indício de descontentamento gera violência e repressão.

Que possamos dar valor à nossa liberdade!

Para saber mais, veja também: