A Noite Começa: o Golpe, os Civis e os Militares

Como um golpe acontece? Quero dizer, como um governo legítimo, escolhido democraticamente pelo povo, cai e, em seu lugar, surge um governo antidemocrático, violento, autoritário? É isso que veremos aqui. E, para compreender essa questão, precisamos conhecer melhor alguns atores desse grande teatro que é a política!

Jânio Quadros: Em primeiro lugar, houve um processo complicado nos 5 anos anteriores ao golpe. Em 1960, foi eleito para presidente Jânio Quadros, uma figura de difícil caracterização e que pediu renúncia apenas 9 meses depois de sua posse. Até hoje não se sabe bem o porquê de Jânio ter pedido afastamento da presidência, mas isso gerou uma problemática muito grande no cenário político.

João Goulart (Jango): Este sujeito foi eleito como vice-presidente de Jânio Quadros em 1960 (naquela época, o vice-presidente era eleito de forma separada, e não por “chapas”, como é atualmente). João Goulart era considerado um “herdeiro político” de Getúlio Vargas; era, portanto, um sujeito que buscava se inserir em diferentes camadas políticas, ora circulando nas esquerdas, ora nas direitas. Acontece que, após a renúncia de Quadros, houve uma tentativa de não deixar Jango assumir o poder. O golpe não aconteceu e, no final das contas, Jango assumiu, no que ficou conhecido como Movimento pela Legalidade.

Mas, em 1964, após uma série de acontecimentos políticos e sociais1, no dia 1 de abril, João Goulart foi deposto. Tanques de guerra nas ruas. Militares em todos os cantos do país. A política tinha mudado completamente e não éramos mais governados por um presidente legítimo, mas por uma junta de militares que tomou o poder pela força. Até hoje, muitas pessoas chamam isso de um “Golpe militar”, mas já está consolidado pela historiografia que o que aconteceu foi um golpe “Civil-Militar”, ou seja, que teve a maior ênfase dos militares, já que eles iriam tomar o poder, mas que teve apoio de outros políticos civis e grandes empresas, como as organizações Globo. O motivo principal era que, se os militares não tivessem dado um golpe no país, os comunistas o teriam feito. O medo do “inimigo externo” ou “perigo vermelho” (apelidos para o comunismo na época), influenciado pela mídia, foi essencial para o acontecimento.

1 A mídia (jornais, rádio, televisão, etc.) teve um papel fundamental nesse processo, distorcendo informações e colocando o país contra Jango. Em recente publicação, o grupo que é dono do jornal O Globo admitiu ter tido ativa participação no golpe de 1964. < https://oglobo.globo.com/brasil/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604&gt; Acesso em 3 de setembro de 2019

Tomando o poder, para fingir que a Constituição de 1946 ainda estava valendo, os militares passaram a introduzir diversos Atos Institucionais, A.I.s, em que várias mudanças constitucionais eram realizadas, sem que, para isso, existisse a necessidade de consultar o Congresso. Ao todo, foram 17 atos institucionais em 21 anos de ditadura, mas aqui focaremos no Ato Institucional de número 5: AI-5.

O AI-5 foi instaurado no regime de Costa e Silva, segundo presidente da ditadura civil-militar. Com a desculpa de melhorar o sistema político e restaurar a ordem, os militares passaram a cassar mandatos de alguns congressistas, ou seja, políticos que foram eleitos como deputados federais perderam seus mandatos e muitos foram presos ou exilados. Isso aconteceu em 1968, ano em que a ditadura se mostrou mais autoritária, fechando o Congresso e instaurando diversas medidas de repressão, que estudaremos mais adiante.

Importa saber, por ora, que até 1968, ou melhor, até o AI-5, parecia ser apenas mais um regime de poder político democrático. Com a promulgação do AI-5, a ditadura se mostrou mais cruel para toda a população. Os protestos de rua passaram a ser perseguidos pela polícia, militantes políticos eram presos e torturados e a censura passou a atingir diversos meios de comunicação. Mesmo as pessoas que não tinham circulação por ambientes políticos, trabalhadores em geral, eram alvo de suspeita se eram vistos andando nas ruas após às 22h – seguida, muitas vezes, de perseguição. Tudo isso para manter uma espécie de legitimidade da ditadura.

Caminhando Contra o Vento: a Repressão e a Resistência

Ainda que a maioria das pessoas acreditassem no que a ditadura dizia – que estava tudo ocorrendo normalmente e que o ambiente democrático seria garantido – algumas pessoas sabiam que aquilo não correspondia à realidade. Artistas, intelectuais e membros de movimentos sociais se organizavam em diferentes esferas para questionar os “métodos” dos militares.

Desde o início do regime ditatorial, e até mesmo antes dele, milhares de pessoas iam para as ruas, num movimento muito parecido como o que acontece hoje, para questionar o que consideravam errado. Assim aconteceu com a Marcha dos 100 mil, uma passeata pelo fim da ditadura, que aconteceu em 1968. Membros da Tropicália, artistas da MPB e intelectuais foram ativos nos processos que desencadearam essa marcha. Ela recebeu esse nome por conta da grande adesão de participantes, mais de cem mil pessoas.

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