No seu livro “O Príncipe”, publicado em 1532, Maquiavel pretende descrever como um príncipe deve se portar para ser bem sucedido em sua habilidade de governar. No seu texto, ele vai considerar diversos aspectos do governo de um monarca e vai sugerir, através da observação histórica de outros governos, quais são as ações mais recomendadas para cumprir o objetivo de governar e de não ser conquistado nem deposto por outros que queiram tomar o poder.

Como o fundamento da política para Maquiavel é histórico e o objetivo que ele busca é uma compilação das ações que, se observadas, mantém um monarca no poder, encontraremos aqui uma preocupação completamente diferente da de outros autores contratualistas: não há, em Maquiavel, uma busca pelos fundamentos racionais que devem guiar as relações em uma sociedade política, nem um hipotético estado prévio de igualdade entre os homens, por exemplo. Com o objetivo de manter o poder, Maquiavel irá se preocupar em medir, como se pesasse em uma balança, os prós e os contras de ações “boas” e “más” que um monarca pode realizar em seu governo, tanto em relação aos seus súditos quanto aos seus inimigos.
O desenvolvimento da argumentação de Maquiavel em “O Príncipe” tem, basicamente, o seguinte formato: a cada capítulo o autor toma como exemplo alguma característica que um monarca é obrigado a considerar ao longo de seu reinado. Para essa característica, ele apresenta as possibilidades de ação do monarca em relação a ela e, com exemplos históricos de situações semelhantes, ele indica o mais adequado a ser feito.
Duas noções muito importantes para Maquiavel são os conceitos de fortuna e virtù. Elas são forças opostas, mas também complementares, que influenciam as ações dos homens e também a vida política. A fortuna pode ser entendida como as forças que estão além dos limites de ação e de decisão do homem, e também podemos relacioná-la com a sorte e o acaso. A virtù pode ser entendida como toda uma gama de qualidades pessoais que o monarca deve possuir para ser bem sucedido em conquistar e manter seu poder. Temos que ter o cuidado de não traduzir virtù por virtude. O termo “virtude” é normalmente associado a uma pessoa que segue regras morais e é moralmente bom, e devemos ter em mente que não é esse sentido que Maquiavel busca, muito pelo contrário. Para o autor, um monarca que queira se manter no poder deverá e precisará agir com crueldade, e isso é definitivamente diferente do sentido comum da palavra “virtude”.
A relação entre virtù e fortuna em “O Príncipe” é a seguinte: é necessário que o monarca possua a virtù, pois é só através da posse desse conhecimento e aptidão para as ações de governo que ele não ficará totalmente a mercê da fortuna – da sorte e do acaso – e conseguirá cumprir com seu objetivo de governar. O autor compara essas qualidades à seguinte situação:
“Uma grande tempestade leva ao alagamento e à inundação de um rio, destruindo toda uma área de cultivo e sustento”. Essa tempestade e alagamento são a fortuna. “Aos homens que lá trabalham e vivem, resta a escolha e o conhecimento de saberem que podem se preparar com diques e muros para frear ou diminuir o próximo desastre”. A utilização dessas capacidades físicas e racionais do homem seria comparável à virtù.
As ações que Maquiavel prescreve para um monarca são inspiradas pela concepção de “homem” que o autor possui. Ele descreve a natureza do homem como sendo, na sua maioria, ingrata, volúvel, simuladora, cobiçosa e covarde. E esses mesmos homens, em geral, tendem a ter menos receio de conspirar contra quem eles estimam do que contra quem eles temem.
Em um dos capítulos mais citados e comentados da obra, chamado “Da crueldade e da piedade, e se é melhor ser amado que temido ou o contrário”, o autor faz a curiosa declaração de que é preferível ser considerado piedoso do que cruel, mas, logo em seguida, tenta demonstrar através de exemplos que um monarca tido como cruel pode ter sido o mais piedoso de todos se sua crueldade serviu para manter o reino unido e a salvo de invasões. Através desses exemplos, Maquiavel justifica não só o uso da violência pelo monarca, como também o seu uso para demonstrações de força e poder, ou seja, para ser temido.