Sobre Amar Demais o Passado
Vocês certamente conhecem alguém que adora usar as já clássicas frases: “No meu tempo era bem melhor” ou “eu gostaria de ter nascido nos anos de 1960”, ou, ainda, “eu nasci na época errada”. Talvez vocês mesmos já tenham dito essas frases. Quando dizemos que gostaríamos de ter nascido em uma época anterior àquela na qual nascemos, podemos estar nos referindo a valores que já não nos acompanham ou a aspectos culturais, como música, literatura e cinema. Talvez gostemos muito, por exemplo, de The Beatles, Pink Floyd, Os Mutantes, etc., e não tanto das músicas produzidas no tempo em que estamos. Daí a vontade de ter nascido em outro momento.
No entanto, já pararam para pensar que, caso vocês fossem contemporâneos das bandas de que tanto gostam, talvez, não gostassem delas? É claro que vocês poderiam gostar e é claro que podem gostar de muitas bandas, cantores/cantoras, escritores/escritoras atuais, mas essa introdução cheia de perguntas e pulgas tem um motivo: questionar uma ideia que pode ser bem comum quando falamos de música, literatura, cinema e artes. A ideia de que um livro, filme ou música tem valor superior unicamente por pertencer a uma época passada.
Essa ideia fazia com que, nos meus tempos de escola e nos meus tempos de faculdade, os professores de literatura nunca, ou quase nunca, discutissem ou apresentassem autores contemporâneos.
É claro que obras clássicas podem ser deliciosas! Talvez, por isso, sejam clássicas, porque venceram, como se diz, ao “teste do tempo” e, mesmo séculos depois de terem sido escritas, continuam nos dizendo alguma coisa. Aposto que se vocês lerem Frankenstein, de Mary Shelley, romance publicado em 1818, vão se apaixonar. Aposto, também, que farão incríveis relações entre este romance do século XIX(!!!) e a nossa sociedade do século XXI, nesse particular momento histórico em que o preconceito ao diferente da “norma” parece estar, mais uma vez, em voga.
Os clássicos são muito legais, mas as obras contemporâneas também são geniais!
Imaginem o seguinte: Vivemos em meio a diversas redes sociais, certo? Essas redes sociais têm muitos aspectos positivos, mas, também, vocês talvez já tenham percebido que o uso que fazemos delas, como sociedade, apresenta lados negativos. Agora, imaginem ler um romance no qual o autor crie uma sociedade em que a privacidade é praticamente um crime, pois todos são quase que obrigados a compartilharem tudo o que experenciam nas redes? Esse romance existe! Chama-se O Círculo, do escritor estadunidense Dave Eggers, foi publicado em 2013 e é uma incrível reflexão, em forma de romance, sobre a era da internet. É o que chamamos, em literatura, de uma distopia, ou seja, é um romance que constrói uma sociedade futura bastante sombria e, geralmente, pouco democrática. As distopias clássicas do século XX são 1984 de George Orwell, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury.
O Clássico e o Contemporâneo
É importante brincarmos com o significado das palavras. E, a partir dessa brincadeira, podemos dizer que “contemporâneo” é aquilo que decidimos que é contemporâneo! Eu, como leitor, posso ler, vamos repetir o exemplo, Frankenstein e me sentir completamente contemporâneo desse texto do século XIX por perceber que o romance ainda faz sentido hoje. Então, pronto, Mary Shelley passa a ser minha contemporânea, mesmo que tenha vivido há dois séculos.
No entanto, o legal de lermos literatura produzida num tempo bem próximo ao que nós vivemos, ou produzida no tempo em que nós vivemos, é dialogar com a visão de mundo que autores e autoras têm do momento presente. A distopia 1984, de George Orwell, publicada em 1948, é super contemporânea. Porém, a presença das redes sociais e a forma como nos relacionamos com ela só é possível de ser lida em um romance escrito por um autor que habita as primeiras décadas do século XXI.
É para estimular a leitura de autores mais atuais e de autores que, muitas vezes, ficam do lado de fora das salas de aula, que elencamos três grandes poetas contemporâneos que vocês precisam conhecer e que tem sua produção centrada na segunda metade do século XX, chegando, em alguns casos, ao início do nosso século XXI.