A Herança de Duas ou Mais Características ao Mesmo Tempo

Seguindo seus trabalhos, Mendel decidiu estudar a probabilidade de herança de duas, três ou mais características ao mesmo tempo. Para isso, ele decidiu analisar as características herdadas ao mesmo tempo por suas ervilhas, como, por exemplo, a cor e a textura. Mendel efetuou o cruzamento entre ervilhas amarelas (R) lisas (V) – RRVV – e verdes (v) rugosas (r) – rrvv – ambas homozigóticas para seus caracteres. O único genótipo possível para os gametas provenientes das ervilhas amarelas e lisas seria RV, e para as ervilhas verdes e rugosas seria rv. Portanto, Mendel obteve para F1 apenas um genótipo (RrVv), que caracteriza o fenótipo amarelo e liso. Diíbridos: organismos heterozigóticos para dois pares de alelos. Ao permitir a autofecundação de F1 (RrVv x RrVv), Mendel obteve quatro genótipos possíveis:

Cruzamento para herança de duas características ao mesmo tempo.

A proporção fenotípica acima foi obtida a partir da análise do quadro abaixo, que demonstra os genótipos possíveis para gametas femininos, masculinos e zigoto.

Cruzamentos entre os possíveis gametas de F1.

Estes resultados demonstram que a textura da semente não depende da cor que ela apresenta e nem a cor depende da herança da textura. Assim, estes caracteres são transmitidos independentemente um do outro, ou seja, a separação de um par de alelos contidos em um par de cromossomos homólogos não interfere na separação (segregação) dos alelos de outro par de cromossomos homólogos.


Segunda lei de Mendel: “na formação dos gametas, o par de fatores responsável por uma característica separa-se independentemente de outro par de fatores responsável por outra característica”. Em outras palavras, poderíamos dizer que os pares de alelos localizados em cromossomos não-homólogos separam-se independentemente na formação dos gametas, por isso, a segunda lei de Mendel também é conhecida como lei de segregação independente dos fatores.

Segunda Lei e Probabilidade

A segunda lei de Mendel também atua segundo a probabilidade. Para determinar os tipos de gametas formados por um indivíduo AaBb, devemos considerar os seguintes aspectos:

na meiose, há segregação independentemente dos alelos que caracterizam uma determinada característica, ou seja, um gameta fica com o alelo A e o outro com o alelo a;

o gameta que ficar com o alelo A, por exemplo, pode ainda possuir o alelo B ou b. O indivíduo diplóide AaBb pode produzir os seguintes gametas:

As probabilidades de genótipos e fenótipos para o cruzamento entre indivíduos F1 (RrVv), anteriormente mencionados, podem ser mais facilmente obtidas quando separamos os resultados e os analisamos separadamente em relação a cada um dos caracteres:

Meiose e a Segunda Lei de Mendel

Considerando a meiose em uma célula animal em que se destaquem dois pares de cromossomos homólogos e dois pares de alelos, a célula em questão originará quatro tipos de gametas, todos em proporções iguais, conforme o ilustrado na figura abaixo:

Esquema da meiose com 2 pares de genes (A e B) e a formação dos 4 tipos de gametas esperados.

Aplicando a Segunda Lei de Mendel

Vamos resolver o seguinte problema: “Qual a probabilidade de uma mulher com polidactilia, orelha com lobo solto e sem capacidade de dobrar a língua, heterozigótica para os dois primeiro fenótipos, casada com um homem sem polidactilia, orelha com o logo preso e com capacidade de dobrar a língua e heterozigótico para o último fenótipo, ter um descendente, não importando o sexo, sem polidactilia, orelha com lobo solto e sem capacidade de dobrar a língua, supondo que estes caracteres se transmitam independentemente?”

Para resolver problemas de probabilidade que envolvam a segunda lei de Mendel, devemos considerar as seguintes etapas:

escrever o genótipo parental;

► considerar cada caráter separadamente, tratando-os de acordo com a Primeira lei;

escrever as proporções genotípicas e fenotípicas esperadas para cada cruzamento;

► usar a regra do e multiplicar as probabilidades (proporções) isoladas dos eventos desejados a fim de determinar a probabilidade de eles ocorrerem juntos,

Lembre-se! Se o indivíduo for heterozigótico e apresentar o fenótipo, este é dominante.

Sistema ABO e RH

Ambos os sistemas se transmitem independentemente segundo a primeira lei de Mendel. Quando estudamos a herança de ambas as características sanguíneas ao mesmo tempo, estamos analisando um caso que corresponde à segunda lei de Mendel.

O sistema ABO é um caso de alelos múltiplos, com diferentes relações de dominância. Ele envolve os alelos IA, IB e i , onde o alelo i é recessivo e existe uma relação de codominância entre os alelos IA e IB, ou seja, existem indivíduos que apresentam o fenótipo AB. Portanto, considera-se a seguinte relação: IA = IB > i.

Estes alelos são responsáveis pela síntese de antígenos (aglutinogênios) nas membranas das hemácias, de forma que o alelo IA sintetiza o aglutinogênio A, o alelo IB sintetiza o aglutinogênio B e o alelo i, quando em homozigose, não propicia formação de aglutinogênio, sendo os indivíduos que apresentam o genótipo ii, de fenótipo O.

Quadro com os tipos sanguíneos e seus respectivos genótipos.

No plasma sanguíneo, podem existir anticorpos (aglutininas) que combatem os antígenos: são chamados anti-A ou anti-B. Indivíduos do grupo A apresentam no plasma aglutinina anti-B e os do grupo B, a aglutinina anti-A. Indivíduos do grupo AB não apresentam aglutininas, mas os do grupo O têm as duas: anti-A e anti-B.

O antígeno fator Rh pode estar presente (Rh+) ou não (Rh-) nas hemácias. Indivíduos Rh- são homozigóticos recessivos e os Rh+ podem ser homozigotos dominantes ou heterozigotos. A produção de anticorpos anti-Rh só acontece se uma pessoa Rh- receber sangue Rh+. Ex.: Eritroblastose fetal.

Quadro com os fenótipos do fator Rh e seus respectivos genótipos.

Transfusão de Sangue

Para evitar problemas de incompatibilidade sanguínea, as transfusões de sangue devem ser realizadas entre pessoas de tipos sanguíneos compatíveis, caso o contrário, poderá ocorrer aglutinação das hemácias doadas (em função do ataque dos anticorpos do receptor ao aglutinogênio do doador), causando sérios problemas ao receptor do sangue.

Possibilidades de transfusão de sangue considerando o sistema ABO.

O aglutinogênio (antígeno) presente nas hemácias do doador deve ser compatível com a aglutinina (anticorpo) presente no plasma do receptor. Por exemplo: se o receptor do sangue tiver o aglutinogênio A, ele só poderá receber sangue de pessoas que não tenham a aglutinina anti-A. Por outro lado, indivíduos do grupo O podem doar para todos os tipos sanguíneos, pois suas hemácias não apresentam aglutinogênio nenhum. Por isto, dizemos que estes indivíduos são doadores universais. No entanto, pessoas do grupo sanguíneo O possuem anticorpos contra os aglutinogênios A e B, o que faz com que estes indivíduos só possam receber sangue de um doador O. Indivíduos AB possuem ambos aglutinogênios em suas hemácias, portanto, não apresentam nenhuma aglutinina. Em função disso, estes indivíduos estão aptos a receber sangue de todos os outros grupos sanguíneos, o que os faz receptores universais. Indivíduos do grupo AB só podem doar para indivíduos AB, pois indivíduos A apresentam a aglutinina anti-B, indivíduos B apresentam a aglutinina anti-A e indivíduos O apresentam ambas aglutininas, inviabilizando qualquer recepção de sangue de indivíduos do grupo AB.

Eritroblastose Fetal

A eritroblastose fetal ou doença hemolítica do recém nascido se trata de uma doença relacionada ao fator Rh, caracterizada pela destruição das hemácias do feto ou do recém nascido, podendo levá-lo à morte. Durante a gravidez, substâncias presentes no plasma materno passam, através da placenta, da mãe para o filho e vice-versa. Durante o parto, há rompimento de capilares do útero materno, permitindo a passagem de hemácias do feto para o sangue da mãe. Se a mãe for Rh– e o filho for Rh+, o contato das hemácias do filho (que possuem o fator Rh) estimulará, na mãe, a produção de anticorpos anti-Rh, que ficarão no plasma materno. A partir da segunda gestação, a mãe já estará sensibilizada (em seu plasma, já há anti-Rh). Se o filho for Rh+, os anticorpos da mãe podem atacar as hemácias do feto, levando-o à morte.

Genes Ligados: Restrição à Segunda Lei

Genes que se situam no mesmo cromossomo – cromossomos ligados, em ligação gênica ou linkage – transmitem-se em conjunto (não têm segregação independente), a não ser que ocorra crossing-over durante a meiose. Cada cromossomo possui vários genes ligados que tendem a ir juntos para o mesmo polo da célula durante a meiose, o que chamamos de grupo de ligação. Quando os genes estão ligados e não há permutação, formam-se apenas dois tipos distintos de gametas em igual proporção entre eles.

Os loci “a” e “b” são dito ligados. Numa meiose sem crossing over formam-se apenas dois tipos de gametas (AB e ab).

Permutação e Segregação Independente

Quando há crossing-over, processo que consiste na quebra e troca de pedaços de cromátides de cromossomos homólogos durante a meiose, surgem cromossomos recombinantes (com nova combinação de alelos ligados – em linkage), que comporão os gametas recombinantes. Os gametas que surgiriam de qualquer forma, independentemente do processo de crossing-over, são chamados de gametas parentais (no caso abaixo, AB e ab).

Permutação entre genes ligados: formação de gametas recombinantes Ab e aB.

Da célula com os genes ligados que sofreram permutação surgiram quatro gametas, os mesmos que surgiriam em um caso de segregação independente. De todas as células germinativas que entram em meiose, em caso de linkage, se houver permutação, ocorrerá uma proporção menor de gametas recombinantes em relação à proporção de gametas parentais. A permutação, juntamente com o processo de segregação independente, permite que os alelos herdados de cada um dos genitores sejam misturados, ou seja, recombinados ao serem passados para a geração seguinte.

Mapas Cromossômicos

Sabe-se que a probabilidade de ocorrer permutação entre dois lócus gênicos é maior quanto maior for a sua distância nos cromossomos. A porcentagem de permutações que ocorre entre determinados genes é o número que fornece a distância entre os genes localizados em um cromossomo. Por isto, podemos dizer que a taxa de permutação representa a medida de distância relativa entre os genes (UR = unidades de recombinação). Se a porcentagem de recombinação entre os genes A e B é de 19%, isso significa que a distância entre eles é de 19 UR. Esta unidade foi denominada morganídeo ou centimorgam (cM), em homenagem a Morgan, cujos experimentos permitiram chegar a esta conclusão. Além disso, podemos encontrar na literatura a mesma unidade descrita como unidade de mapa (UM).

Distância entre os genes A, B e C.

Distância entre:

genes A e B: 19 cM;

genes A e C: 2 cM;

genes B e C: 17 cM.

Um mapa cromossômico demonstra graficamente as posições relativas dos lócus gênicos e as distâncias entre eles em um cromossomo.

Genes Ligados e Mutações Estruturais

O aumento da variabilidade genética pode ocorrer por mutações estruturais nos cromossomos, como, por exemplo:

Deficiência/deleção: perda de segmento do cromossomo em função de quebras. Deficiências acentuadas podem ser letais;

Duplicação: ocorrência de um ou mais segmentos em dose dupla, em um mesmo cromossomo (nem sempre reduz a viabilidade de um organismo);

Inversão: quebra em dois pontos com giro 180o; são exemplos a inversão pericêntrica, que ocorre no centrômero, e a inversão paracêntrica, em que o segmento invertido não é o centrômero;

Translocação: quebra simultânea de dois cromossomos não homólogos com troca de segmentos. Na meiose, os dois pares de cromossomos não-homólogos emparelham-se em cruz, pois têm “segmentos homólogos” em função da translocação. São exemplos a síndrome de Down por translocação, que ocorre entre os pares 15 e 21 ou 21 e 12 (além da razão já comentada anteriormente, em função da não disjunção de homólogos durante a formação de gametas), e a síndrome do “miado de gato”, em que há alterações no cromossomo 5. O choro das crianças se assemelha ao miado de um gato por alterações em sua laringe. Elas também apresentam déficit cognitivo e neuromotor, alterações no formato das orelhas e microcefalia.

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