Hegel

A Dialética de Hegel

Tempos depois de cada uma ter se desenvolvido, longe da paixão imediata e da comoção (seja para o bem ou para o mal) que cada tese gerou, Aristóteles apresentou sua própria proposta, que parecia ser muito mais completa e deixar menos pontas soltas do que as anteriores. Friedrich Hegel (1770-1831), um importante filósofo do século XIX, percebeu este movimento e formulou sua Filosofia da História refletindo sobre isso. Perceba que você já viu muitas vezes nos capítulos anteriores a expressão História da Filosofia, que se refere ao desenvolvimento histórico do pensamento filosófico, mas só agora surge a ideia de uma Filosofia da História, ou seja, uma tentativa de usar os métodos de investigação filosófica para produzir um conhecimento filosófico sobre a história. O que Hegel propôs é que a história se desenvolve num ciclo composto por Tese, Antítese e Síntese.

Para pensarmos nesse movimento de maneira mais concreta, imagine a seguinte situação: Numa cidade fictícia, durante a eleição para prefeito, um candidato que quer muito ser eleito promete que vai construir um viaduto que deve resolver o problema do trânsito em determinado bairro. Notem que na cidade do nosso exemplo existe um problema (o trânsito) que precisa ser resolvido. O candidato oferece uma solução inicial, que é construir um viaduto. Vamos chamar a solução inicial – o viaduto – de TESE. As pessoas que estão cansadas de engarrafamento votam no candidato e ele se elege.

Mas eis que, quando se definiu o tamanho e o local do viaduto, aconteceu algo que não era esperado: o único jeito de construí-lo era derrubando algumas casas e os moradores que seriam afetados não queriam ter que se mudar. Estes moradores, então, começam a mobilizar as pessoas que são sensíveis ao seu problema (o de ter que se mudar à força). Elas podem argumentar, entre outras coisas, que com menos casas na vizinhança os pequenos negócios locais vão ser prejudicados com a diminuição de clientes e, assim, conseguir apoio de grupos que a princípio não seriam diretamente afetados. Forma-se então um grupo contrário à TESE, com pessoas que propõem que não se faça viaduto nenhum. Chamaremos essa segunda proposta – a de não fazer viaduto – de ANTÍTESE.

Note que temos uma TESE – construir um viaduto –, que resolve o problema do trânsito, mas causa um problema habitacional, e temos uma ANTÍTESE, que soluciona o drama habitacional de quem seria forçado a se mudar, mas mantém o problema do trânsito. As pessoas são muito afetadas por estas propostas e se dedicam apaixonadamente a buscar os pontos fortes de uma ou outra proposta. Os moradores que seriam obrigados a se mudar ficam buscando argumentos que possam sensibilizar outras pessoas, como o argumento da diminuição da clientela nos negócios locais. Podem dizer, ainda, que viadutos são muito visados por moradores de rua e o bairro passaria a ter que lidar com isso, o que incomoda algumas pessoas que antes não se importavam com a ideia da construção. A briga divide, então, o bairro entre aqueles que acham mais importante resolver o problema do trânsito e aqueles que acham mais importante manter o bairro do jeito que está.

Mas eis que surge uma terceira ideia. Alguém que não mora no bairro – e está menos apaixonadamente afetado por aqueles problemas – percebe que é possível fazer as duas coisas: manter o bairro como está e também resolver o problema do trânsito. Para isso, ele propõe que seja ampliada a linha do metrô, fazendo-o atravessar o bairro por debaixo da terra, sem desapropriar tantas casas e diminuindo o fluxo de carros nas vias. Chamaremos a terceira proposta – ampliar o metrô – de SÍNTESE. Acontece que a proposta que agora pode resolver o problema do trânsito sem causar incômodo aos moradores esbarra numa outra dificuldade: ampliar o metrô é muito caro, a cidade não tem dinheiro e o único jeito de fazer isso é aumentando significativamente os impostos. Os moradores do bairro que querem muito ficar onde estão e as pessoas que usam as vias engarrafadas constituíam dois grupos distintos e antagônicos. Agora, eles estão juntos e formam o grupo das pessoas que acham que vale a pena pagar pela obra, e vão se confrontar com o grupo dos moradores que não era afetado pelo problema de trânsito nem pelo problema da modificação do bairro e não está disposto a arcar com o custo de uma obra tão cara. É neste momento em que aquilo que era uma SÍNTESE passa a ser uma nova TESE, e produz sua própria ANTÍTESE.

Este pequeno exemplo ilustra, de maneira bastante simplista, a complexa teoria dialética de Hegel sobre o movimento da história. Mas Hegel se ocupou ainda de inúmeros outros assuntos, como Direito, Política, Estética, Lógica, História, História da Filosofia, Ética e Filosofia da Religião. Sua obra é tão vasta que é tida como o último sistema filosófico completo: todas as principais áreas da Filosofia estavam ali, organizadas num sistema fechado que se remetia a si mesmo.

A Filosofia Dividida

Hegel foi um pensador muito influente e, como veremos nesta mesma apostila, suas ideias são exploradas até hoje. Mas sua obra é controversa. Contém alguns trechos muito obscuros, de difícil compreensão, e outros cujas propostas parecem muito distantes do que se poderia aceitar de maneira razoável. Isso fez com que o sistema filosófico hegeliano não sobrevivesse a seu autor. Teses específicas e soluções inteligentes que Hegel encontrou para alguns problemas clássicos da Filosofia seguem orientando filósofos, sociólogos e intelectuais de todo o mundo, mas a unidade do sistema ficou comprometida com a morte de seu criador.

Com isso, a Filosofia do século XIX começou a se desenvolver nos escombros do sistema Hegeliano e surgiram, no mesmo molde de TESE e ANTÍTESE, dois dos mais influentes filósofos contemporâneos: Martin Heidegger (1889-1976) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951). Além desses dois autores, a Filosofia nos séculos XX e XXI foi marcada pelas novas descobertas científicas, pela Psicanálise e pela Antropologia e também pelo desenvolvimento das Ciências Sociais.

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