O Governo João Goulart (1961-1964)

A renúncia de Jânio Quadros despertou um profundo quadro de instabilidade política, tendo em vista que os ministros militares tinham a pretensão de vetar a posse de João Goulart. Apesar da Constituição ser clara quanto à legalidade da posse do vice-presidente, Jango, que carregava o rótulo de “esquerdista”, era acusado de estimular a instauração de uma “República sindicalista” no Brasil.

Campanha da Legalidade

Sob liderança do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, a “Campanha da Legalidade” tinha como objetivo garantir a posse de João Goulart. No excerto abaixo, é possível imaginar o clima de crise política que estava instalado no Brasil naquele momento:

“O governador pôs em ação a poderosa Brigada Militar Gaúcha e determinou a transferência dos estúdios da Rádio Guaíba para o subsolo do Palácio Piratini […] A Rádio da Legalidade transmitia 24 horas […] Brizola sabia bem o risco que estava correndo. Armou a população para a resistência, convocou uma multidão para ocupar a Praça da Matriz […] e subiu barricadas feitas com sacos de areia, bancos arrancados da praça, carros e caminhões amontoados em volta do palácio. Distribuiu armas aos funcionários, andava para cima e para baixo com uma metralhadora a tiracolo, e não exagerava.” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p.435)

Contrariando as previsões, o comandante do III Exército, general Machado Lopes, declarou apoio ao Movimento da Legalidade. Com sede no Rio Grande do Sul, o III Exército era a mais poderosa força terrestre do Exército brasileiro. Com o seu apoio, o Movimento da Legalidade passou a contar com 40 mil soldados, 13 mil homens da Brigada Militar e cerca de 30 mil voluntários (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p.435). Em suma, a Campanha da Legalidade é um dos momentos mais dramáticos do período democrático. Brizola havia armado uma resistência militar e civil contra o movimento que se opunha à posse de Jango, tornando-se a primeira liderança civil a confrontar abertamente um golpe militar. Sem a Campanha, provavelmente a ordem constitucional não seria cumprida.

Parlamentarismo

Com o fortalecimento do movimento pela legalidade, os partidários do veto à posse de Goulart foram obrigados a negociar. A solução encontrada foi a adoção do regime parlamentarista, que passou a ter Tancredo Neves (PSD-MG) como primeiro-ministro. A intenção era limitar os poderes de João Goulart como presidente da República, colocando-o sob controle do Congresso Nacional.

Plebiscito

Em janeiro de 1963, houve a realização de um plebiscito destinado a escolha do retorno ou não do regime presidencialista. Dos 12 milhões de cidadãos que votaram no plebiscito, cerca de 10 milhões optaram pelo retorno do presidencialismo. A partir de então, João Goulart passou a ter mais autonomia para implantar o seu programa de governo, notadamente marcado pelo trabalhismo e pelo nacionalismo econômico.

Plano Trienal

A proposta de Goulart para responder aos problemas socioeconômicos do Brasil1 veio com o Plano Trienal (1962), organizado pelo economista Celso Furtado. Segue, abaixo, um quadro explicativo a respeito do Plano:

1 A situação no Brasil não era animadora. Aliada ao quadro de instabilidade política e social, a inflação subia e, com isso, também subiam os custos de vida nos grandes centros urbanos. No meio rural, a situação era ainda mais grave, sobretudo pelo fato de que os trabalhadores rurais não gozavam dos direitos dos trabalhadores urbanos.

Como forma de distribuir as riquezas nacionais, o Plano Trienal pretendia desapropriar latifúndios improdutivos e estatizar setores estratégicos da economia, como os setores ligados à exploração mineral. Abrindo um breve parênteses, vocês devem imaginar que essas propostas, em uma conjuntura de Guerra Fria e polarização ideológica, eram ousadas demais. Além de combater a inflação e retomar o crescimento econômico, o plano pretendia reduzir a dívida externa brasileira, que havia crescido consideravelmente durante o governo JK. Por razões como a falta de apoio no Congresso, o governo Goulart não conseguiu aplicar o Plano Trienal conforme previsto.

Polarização Política e Social

O governo Goulart foi marcado pela mobilização social e política de diversos setores da sociedade brasileira (COTRIM, 2012, p.681). A conjuntura da Guerra Fria e o triunfo da Revolução Cubana acirraram ainda mais os ânimos dos grupos favoráveis e contrários ao governo Jango, que podem ser observados no esquemas ao lado. Os grupos favoráveis às reformas de Jango eram, sobretudo, os estudantes – representados pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela Juventude Universitária Católica (JUC) –, os trabalhadores urbanos – aglutinados no Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) – e os camponeses – representados nas Ligas Camponesas. De outro lado, estavam organizações privadas, como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES), que eram parcialmente financiados pelos EUA. Entre suas ações, estavam a difusão de propaganda contrária ao governo e o financiamento de políticos da oposição. De modo sintético, a oposição insistia que o governo estava contaminado pela ideologia comunista.

As Reformas de Base

Com o fracasso do Plano Trienal, o presidente João Goulart foi às ruas para conquistar apoio popular ao seu novo projeto de governo: as “Reformas de Base”. Em tom enérgico, Jango discursou para cerca de 200 mil pessoas em frente à estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, com o objetivo de defender a realização das reformas. Segue abaixo o trecho final de um dos discursos mais importantes desse período de experiência democrática:

“Hoje, com o alto testemunho da Nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.”

Ver discurso na íntegra: http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/03/discurso-de-jango-na-central-do-brasil-em-1964 Acesso em 25 de agosto de 2019

Reforma Agrária2

A reforma no campo pretendia facilitar o acesso à terra para milhões de lavradores que não a possuíam. Em suma, a reforma agrária – “carro-chefe” das reformas de base – pretendia reduzir a desigualdade no meio rural.

2 Assim como o caso da reforma trabalhista, é fundamental vocês refletirem sobre a questão da reforma agrária e sua permanência no debate político nacional. A reforma agrária constitui uma demanda histórica dos trabalhadores rurais e dos trabalhadores sem terra. Ou seja, não é algo “preso” nesse contexto histórico, mas sim parte de um processo de lutas e disputas pela terra no meio rural brasileiro.

Reforma Educacional

A reforma na educação tinha como objetivo aumentar o número de escolas e universidade públicas, assim como pretendia realizar políticas públicas de combate ao analfabetismo.

Reforma Urbana

O objetivo da reforma urbana era criar programas habitacionais com a finalidade de reduzir o déficit habitacional nas grandes cidades. A reforma urbana também incluía a desapropriação de imóveis com base no interesse social.

Reforma Eleitoral

O principal objetivo da reforma eleitoral era, sem dúvidas, ampliar o direito de voto para os analfabetos. A reforma também pretendia estender o direito de voto para as patentes subalternas das Forças Armadas.

Reforma Tributária

A reforma tributária tinha como objetivo reduzir as desigualdades sociais no que diz respeito aos deveres entre ricos e pobres, patrões e empregados (COTRIM, 2012, p.682).

Reação ao Comício da Central do Brasil

Naturalmente, a oposição convocou a sua própria manifestação. Dias depois do Comício da Central do Brasil, ocorreu a chamada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Convocada pelos institutos privados, IBAD e IPES, e amplamente divulgada na imprensa, a marcha reuniu os grupos sociais contrários ao governo Goulart, contando com uma quantidade de pessoas igual ou até mesmo superior ao Comício da Central do Brasil.

Golpe Civil-Militar

A rebelião das Forças Armadas, que teve início nas movimentações apoiadas pelo governador Magalhães Pinto (MG), rapidamente teve suporte das unidades do Rio Grande do Sul, de São Paulo e do Rio de Janeiro. Sem pretensões de resistir, João Goulart se retirou de Brasília e foi para o Rio Grande do Sul. Ainda com Jango em solo brasileiro, propositalmente, diga-se de passagem, o cargo de presidente da República foi declarado vago. Depois disso, João Goulart foi para o Uruguai como exilado político. Logicamente, é importante ressaltar que uma parcela da sociedade civil e os grandes veículos de comunicação, sobretudo a Rede Globo, foram fundamentais para que o golpe fosse consumado, legitimado e, posteriormente, se transformado em um regime de exceção que durou 21 anos. Por conta disso, muitos historiadores hoje utilizam a denominação ditadura civil-militar, para dar conta do papel desempenhado pelos meios de comunicação, setores do grande empresariado nacional, entre outros atores, nessa conjuntura histórica.

Para saber mais, veja também: