Nos primórdios da disciplina, os primeiros antropólogos estudavam à distância as culturas de que falavam. Na maior parte das vezes, sentados em seus confortáveis gabinetes universitários e valendo-se de relatos indiretos produzidos por missionários, autoridades coloniais e viajantes de diversas naturezas. Através destes relatos, produziam escalas especulativas de desenvolvimento cultural nas quais as diferentes sociedades eram classificadas em níveis crescentes de sofisticação civilizacional, indo da “selvageria” à “civilização”, passando pelo estágio intermediário da “barbárie”.
O grande problema desta abordagem, conhecida como evolucionismo cultural, provinha justamente da falta de sistematicidade e reflexividade dos relatos empregados pelos antropólogos, normalmente cheios de etnocentrismo e preconceitos diversos contra os povos do mundo não europeu. Muito frequentemente, estes relatos indiretos enfatizavam apenas os aspectos mais exóticos e estranhos (para os olhos europeus) das culturas não europeias, como rituais sangrentos e regras de casamento inusitadas. Obviamente, isto fornecia uma imagem estereotipada e simplificada destes mesmos povos. Com o tempo, no entanto, os antropólogos foram percebendo a necessidade de coletar in loco (isto é, em campo), de maneira direta, as informações necessárias para formularem suas generalizações teóricas, o que resultou no nascimento do método etnográfico.
Etnografia quer dizer, literalmente, “registro de um povo” (graphein e ethnos, do grego). Em linhas gerais, trata-se de um conjunto de técnicas de pesquisa desenvolvidas pelos antropólogos e outros cientistas sociais para coletar dados sobre os hábitos, costumes, representações e modos de vida de uma sociedade, extraindo daí os traços mais salientes ou característicos de sua cultura. A essência de toda boa etnografia é o trabalho de campo de longa duração, ou seja, o envolvimento direto do pesquisador no cotidiano dos pesquisados, tomando parte em suas atividades de maneira estável e continuada.

Um nome muito associado ao desenvolvimento da etnografia como método é o do antropólogo polonês de expressão britânica Bronislaw Malinowski (1884-1942), que pesquisou os nativos das Ilhas Trobriand, atual Nova Guiné (Oceania). De acordo com Malinowski, o objetivo da etnografia é tentar enxergar o mundo do nativo através dos seus próprios olhos e entender como as suas ações fazem sentido dentro de um esquadro local de racionalidade.
Outro nome importante frequentemente associado ao desenvolvimento da etnografia é o de Franz Boas (1858-1942), antropólogo alemão radicado nos Estados Unidos que conduziu uma série de pesquisas de campo entre povos indígenas da América do Norte, como os inuítes (também conhecidos como “esquimós”). No espírito do conceito romântico e alemão de cultura, Boas era muito crítico às escalas de evolução sociocultural propostas pelos evolucionistas como Lewis Morgan (1818-1881), acusando-os de falta de rigor metodológico, generalizações e comparações apressadas.
Assim, para Boas e seus seguidores, como Alfred Kroeber (1876-1960), Ruth Benedict (1887-1948) e Margaret Mead (1901-1978), a história e o desenvolvimento de cada sociedade deveriam ser pensados como uma trajetória particular, sem remetê-los necessariamente a uma suposta escala universal de evolução cultural. Juntamente com a Arqueologia e a Linguística, o trabalho de campo etnográfico auxiliaria o antropólogo a compreender e elucidar as origens dessas particularidades, para só depois compará-las com os hábitos, crenças, recursos técnicos e modos de vida das outras sociedades.
Já entre os antropólogos franceses, como Claude Lévi-Strauss (1908- 2009) e Philippe Descola (1949-presente), vigora uma espécie de divisão do trabalho antropológico em três etapas: (1) etnografia; (2) etnologia; e (3) antropologia propriamente dita.
Etnografia – é o momento mais “concreto” do trabalho antropológico, baseado no trabalho de campo de longa duração com a coletividade estudada. Neste momento, o antropólogo entra em contato com a cultura que visa compreender, estabelece relações com indivíduos-chave ou interlocutores privilegiados da comunidade, assim como observa e registra tudo aquilo que vê. Sua atenção está voltada não apenas para os aspectos mais estranhos e salientes da cultura do outro, como rituais e festividades, mas também para a dimensão cotidiana, a divisão de trabalho entre mulheres e homens, velhos e novos, etc. Geralmente, tudo isso é registrado em um diário de campo, instrumento importante para o resgate posterior das experiências vividas.
ETNOLOGIA – são comparadas diversas etnografias, realizadas entre povos diferentes, porém próximos cultural, geográfica ou historicamente, tendo em vista a identificação de regularidades ou padrões que se repetem em todas estas culturas. Por este motivo, costumamos falar em “etnologia amazônica”, “etnologia siberiana”, “etnologia melanésia” etc., pois cada um destes
registros significa um campo de discussões entre antropólogos que realizaram suas etnografias em povos de um mesmo tronco linguístico ou histórico, ou que se situam em uma mesma área de difusão cultural. Também neste momento começam a aparecer coisas interessantes: os antropólogos percebem, por exemplo, que duas sociedades possuem um mesmo mito, mas invertidos em sua lógica interna ou com personagens trocados. Como isso se explica? Quem emprestou o mito para quem? Por que motivos ele aparece com um formato no povo A e com outro no povo B?