Democracia Racial

Quanto à questão étnico-racial, é preciso destacar que, no início do século XX, alguns pensadores identificados com o chamado racialismo acreditavam que várias mazelas da sociedade brasileira, como seu subdesenvolvimento capitalista, seus altos índices de criminalidade, etc., derivavam da mistura entre as raças. Para o racialismo, a humanidade se dividia em raças diferentes, cada uma das quais possuidora de características e virtudes próprias. Neste sentido, defendiam que a mestiçagem, ou mistura entre elementos de raça diferentes, desencadeava um processo de enfraquecimento ou degenerescência dos caracteres virtuosos de cada linhagem, enfatizando apenas os caracteres ruins. Obviamente, esta teoria caiu por terra, já que era pseudocientífica e não coadunava com a realidade. Mesmo assim, permaneceu por muito tempo no senso comum a ideia de que o Brasil era uma sociedade pobre e pouco desenvolvida devido ao seu alto grau de mestiçagem, representada pela figura tipicamente nacional do “mulato”.

Foi com o intuito de combater essa percepção racista e derrogatória da sociedade brasileira que o antropólogo e historiador pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) propôs um modelo alternativo de interpretação das origens mestiças do nosso país, alegando que a colonização portuguesa – ao contrário da anglo-saxônica nos Estados Unidos, por exemplo – mais incentivou do que combateu a miscigenação, produzindo uma matriz civilizatória diferente e original nos trópicos.

Para Freyre, ainda que os elementos negro e indígena vivessem em condição subalterna no contexto colonial, a interação destes dois mundos com o universo branco era muito intensa, especialmente nos primeiros séculos da colonização. Um dos resultados deste modelo de integração racial, segundo Freyre, seria a transformação da cor em marcador social fundamental no Brasil. Assim, enquanto na sociedade norte-americana nós podemos falar de um racismo de sangue, no qual a presença de um elemento não branco na ascendência de alguém já é suficiente para fazê-la ser reconhecida como negra, no Brasil vigora o modelo do racismo de marca, em que se destaca seu tom de pele no contraste com a outra pessoa da interação.

Os críticos de Freyre alegam que ele teria criado o mito de que o Brasil vive em uma “democracia racial”, na qual, no limite, não haveria racismo. De fato, sua abordagem tende a deixar de lado a extrema violência da escravidão e da dominação portuguesa sobre as populações não brancas. Mesmo assim, chama atenção para aspectos muito particulares da sociedade colonial brasileira, em especial a intensa interdependência entre os universos da “casa grande” e da “senzala” em um mesmo organismo social.

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