Crise e Golpe

A economia, que já ia mal, começou a despencar. Ajustes nos preços dos combustíveis e da eletricidade elevaram a inflação para patamares acima dos dois dígitos, ao mesmo tempo em que a economia encolheu 3,8% apenas em 2015. Por sua vez, o desemprego aumentou por 16 meses consecutivos. Em resumo, o crédito se esgotou, os juros aumentaram, o poder de compra da população foi reduzido e a arrecadação do governo despencou, proporcionando a formação de um quadro de grave crise fiscal.

Lava Jato

A operação Lava Jato monopolizou as manchetes na imprensa entre 2015 e 2016, com destaque para as prisões de Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo (Andrade Gutierrez). Além dessas, as prisões de João Vaccari Neto – ex-tesoureiro do PT – e Delcídio do Amaral – ex-senador do PT – desestabilizaram ainda mais o governo Dilma, constantemente associado às investigações da Lava Jato.

“Fora Dilma”

O cenário de crise econômica e o desenvolvimento da Lava Jato contribuíram para que os índices de popularidade de Dilma despencassem. Convocados, em parte, por organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o “Vem Pra Rua”, os protestos pelo “Fora Dilma” defendiam o combate à corrupção e a saída da presidente e do PT do governo. Em março de 2016, ocorreram as maiores manifestações pelo impeachment da presidente. Por outro lado, também ocorreram manifestações em favor da continuidade de seu governo, que representaria, na visão desses grupos, a defesa do Estado de Direito e da democracia. De modo geral, a velocidade dos acontecimentos e a complexidade da conjuntura política e econômica nacional não permitem a realização de análises profundas a respeito do processo de impeachment e os seus atuais desdobramentos, logo, o objetivo aqui é apresentar as disputas entre as diferentes narrativas do impeachment de Dilma.

Crise Política

Conforme mencionado, a presidente Dilma possuía dificuldades em dialogar com os parlamentares, sejam eles da oposição ou da base aliada. Um exemplo disso foi a dificuldade de Dilma em aprovar as medidas de ajuste fiscal propostas pelo ministro Levy. A crise política começou a ganhar contornos dramáticos quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o então presidente da Câmara dos Deputados, rompeu com o governo em julho de 2015. Meses depois, foi a vez do vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP), escrever uma carta endereçada a Dilma, expondo a sua insatisfação por ser um “vice-decorativo”. A crise política ganhou novos capítulos após a tentativa de nomear Lula para a Casa Civil, desencadeando protestos na imprensa e nos partidos da base e da oposição. Após o vazamento de conversas entre Lula e a presidente, o PMDB oficialmente “abandonou o barco” do governo. Depois disto, a presidente Dilma ficou mais isolada do que já estava, enfraquecendo o seu poder de negociação com os parlamentares durante o processo de impeachment.

Impeachment

O processo de impeachment contra a presidente Dilma começou quando o presidente do PT, Rui Falcão, defendeu publicamente que os parlamentares do partido votassem contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética. Sentindo-se traído pelo PT, Cunha deu abertura ao processo de impeachment em dezembro de 2015. A abertura do processo teve como base as denúncias formuladas pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal. O governo Dilma, alegavam os juristas, teria praticado as chamadas “pedaladas fiscais”, configurando uma violação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e, portanto, em crime de responsabilidade perpetrado pela presidente. A concessão de créditos suplementares sem a devida autorização do Congresso também estava presente no processo. Sem suporte político na Câmara e no Senado, o governo Dilma perdeu todas as votações referentes ao processo de impeachment, sendo oficialmente deposto em agosto de 2016.

Golpe (?)

Desde a eleição de 2014, vimos emergir no Brasil um cenário de intensa polarização política. A dicotomia entre “coxinhas” e “petralhas” pode ser considerada como a face mais evidente disso. A narrativa favorável ao impeachment é conhecida: o governo Dilma violou a LRF ao atrasar pagamentos aos bancos públicos e, portanto, a presidente cometeu crime de responsabilidade. Por outro lado, a narrativa do golpe enfatiza que, na realidade, o processo de impeachment foi movido por uma ampla rede de interesses políticos e econômicos, isto é, a existência ou não de crime de responsabilidade pouco importaria. Do ponto de vista jurídico, os que defendem a ideia do golpe enfatizam que o processo de impedimento de Dilma foi inconstitucional. Nesse sentido, a deposição de Dilma representaria um golpe de Estado, mesmo que não tenha ocorrido a intervenção direta das Forças Armadas. Este golpe seria um golpe parlamentar, um golpe branco, podendo ser entendido até mesmo como uma “virada de mesa institucional”. Em resumo, o desafio de sintetizar os eventos que culminaram na saída de Dilma é gigante, sendo igualmente difícil para todos compreender a complexidade do quadro político e econômico que colocou Michel Temer à frente da Presidência da República. Por fim, um recado que pode ser dado é: busquem o diálogo, a reflexão e, acima de tudo, não se sintam forçados a defender uma ou outra narrativa como se fosse um time de futebol, visto que esse tipo de comportamento enfraquece o debate político e gera análises de conjuntura equivocadas.

Governo Temer

Como vocês devem saber, o governo Temer também foi desestabilizado pelo avanço das investigações da Lava Jato, que atingiu em cheio a cúpula do PMDB e os ministros do governo. Em 2017, gravações realizadas pelo empresário Joesley Batista (JBS) causaram um “terremoto” em Brasília. Economicamente, ainda não houve retorno do crescimento, do emprego e da renda. A permanência da instabilidade – política e econômica – contribuiu para que Michel Temer colecionasse índices de popularidade inferiores inclusive aos de Dilma no período anterior ao impeachment. Além das denúncias de corrupção, o governo Temer foi marcado por intensos debates, no parlamento e na opinião pública, a respeito da realização de reformas consideradas “necessárias” pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Representando uma forte guinada ao neoliberalismo, as duas mais importantes reformas são a trabalhista e a previdenciária. A primeira seria responsável por “flexibilizar” e “modernizar” as relações de trabalho; enquanto a segunda seria imprescindível para cobrir o “rombo” da Previdência Social. Em oposição às reformas, estão aqueles que alegam que a primeira retira direitos trabalhistas e que a segunda é baseada em informações incompletas a respeito do “rombo” previdenciário, propiciando a retirada de direitos e estimulando a privatização da Previdência Social. Em 2018, as eleições colocaram Jair Bolsonaro (PSL) na presidência da República, encerrando um longo ciclo de governos do PT e PSDB, que até então monopolizavam o cenário político da Nova República.

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