Carolina Maria de Jesus é uma escritora de grande importância para a nossa literatura. Sua história e sua escrita têm muito a nos dizer e a nos ensinar. No entanto, a escritora permanece desconhecida e não figura nos manuais de literatura, nem se fala sobre ela na maioria, talvez, das escolas de nosso país.
Carolina Maria de Jesus nasceu em Sacramento, uma comunidade rural de Minas Gerais. Foi autora de diários, de um romance e também foi poeta. Se é difícil que mulheres tenham destaque na história da literatura, quando essa mulher é negra e “favelada” – para usar uma expressão que a própria Carolina usava – fica mais difícil ainda. Apesar do sucesso editorial que o livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, lançado em 1960, teve, hoje não é muito fácil encontrá-lo nas livrarias, mesmo que tenha sido traduzido para mais de dez idiomas!
Carolina Maria de Jesus frequentou a escola por apenas dois anos. Foi auxiliar de cozinha e doméstica e, entre 1948 e 1961, morou na favela Canindé, em São Paulo, sobrevivendo como catadora de papel e de ferro velho. Enquanto isso, para sobreviver, para resistir à miséria, para ir além dessa vida dura, Carolina escrevia, escrevia como forma de resistência, para sobreviver, porque talvez todos nós precisemos de algo além da sobrevivência, mas existem pessoas que não têm esse luxo, o luxo de ter uma vida que vá além da mera sobrevivência.
Carolina resistia e escrevia. Além do trabalho pesado, tinha três filhos e, em noites de insônia, refletia sobre a vida e a desigualdade social. Um belo dia, o trabalho de Carolina foi reconhecido, um jornalista conheceu Carolina e decidiu publicá-la. O jornalista publicou um artigo sobre a autora em 1959 e ajudou Carolina a publicar Quarto de Despejo, a reunião de vários diários da autora. O livro teve sucesso e ela conseguiu se mudar para uma casa melhor em um bairro de classe média, mesmo que depois, não tendo se adaptado à vida no bairro, Carolina tenha se mudado para um pequeno sítio em outra região.
Seu livro mais famoso é Quarto de Despejo, um diário escrito em cadernos que a autora encontrava no lixo, um diário no qual uma mulher negra, pobre, de pouca escolaridade, registra sua visão do mundo, sua rotina e as humilhações costumeiras daqueles que viviam na favela do Canindé. O que dá coesão à narrativa, o que une um dia após o outro da vida de Carolina é a luta contra a fome. Seu trabalho pesado e precário, por mais esforço que ela faça, não vai tirá-la da pobreza. A favela é o quarto de despejo da cidade, uma cidade que, devido à modernização dos anos 50, jogou os pobres para os cantos.
“Eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos”.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo. 10. ed. São Paulo: Ática, 2014. 200 p.
Carolina escreve para denunciar a difícil vida na favela, mas também para sentir-se, de alguma forma, menos miserável, mais humana, menos rebaixada!
Trecho de Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada
Eu deixei o leito as 3 da manhã porque quando a gente perde o sono começa pensar nas misérias que nos rodeia. (…) Deixei o leito para escrever. Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades. (…) É preciso criar este ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela. Fiz o café e fui carregar agua. Olhei o céu, a estrela Dalva já estava no céu. Como é horrível pisar na lama. As horas que sou feliz é quando estou residindo nos castelos imaginarios.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo. 10. ed. São Paulo: Ática, 2014. 200 p.