Bases do Capitalismo

Podemos dizer que o capitalismo se constitui historicamente na Europa ocidental, mais especificamente na Inglaterra, um dos países onde as relações capitalistas se desenvolveram mais rapidamente. Mas quais foram as condições que propiciaram o seu surgimento?

A crise da sociedade feudal é um bom caminho para encontrarmos a resposta. No século XIV, muitas coisas atrapalharam o relativo sossego das aldeias feudais. Muitas chuvas destruíram as colheitas em quase toda a Europa, o que provocou uma fome generalizada que matou milhares de pessoas, sem falar na Peste Negra, que também matou muita gente. Não podemos esquecer da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), principal e mais sangrenta guerra da Idade Média, que colocou os reinos da Inglaterra e da França um contra o outro, numa disputa centenária por domínios territoriais e por poder político e econômico, sendo considerado pelos historiadores como um evento que marcou a consolidação das monarquias nacionais inglesa e francesa.

A verdade é que todos esses acontecimentos fizeram com que a população europeia diminuísse muito. De acordo com muitos estudiosos, morreu cerca de 40% do total daquela população. Isso significou uma grande redução na principal força de trabalho na terra dos senhores feudais: os servos e camponeses. A consequência foi o aumento da exploração por parte dos senhores, que passaram a cobrar mais impostos e exigir mais tempo de trabalho para compensar a ausência dos que haviam morrido, sem se importar com as péssimas condições de vida dos que sobreviveram. Não demorou muito para que, no final do século XIV, muitas revoltas e insurreições camponesas contra o aumento da exploração se espalhassem pela Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Flandres e Espanha. Esses movimentos foram violentamente reprimidos e outros conseguiram algumas conquistas. Muitos camponeses continuaram resistindo passivamente, deixando de pagar os impostos ou adiando as dívidas. Aquela estrutura de dominação não aguentaria muito tempo a partir disso. Era o fim do modo de produção feudal.

Diante das revoltas camponesas, os servos foram liberados para comercializar seus excedentes nas cidades, produzindo agora nas terras arrendadas a eles pelos proprietários. Essa mudança tem a ver com o renascimento do comércio, provocado pelo surgimento de uma classe de comerciantes e artesãos que comercializavam seus produtos nos burgos, uma espécie de povoamento urbano que se desenvolveu paralelamente ao declínio das propriedades feudais (os feudos). Esses espaços de comércio cresceram por causa das trocas que eram realizadas entre um feudo e outro. Os produtores levavam seus produtos até o burgo, uma fortificação localizada dentro de um feudo, para trocar ou vender seus produtos. Você lembra dos mestres e artesãos das corporações de ofícios? Eram eles os principais comerciantes desses locais e, com o tempo, foram crescendo em poder econômico até formarem uma nova camada de mercadores enriquecidos, a burguesia (que vem de burgo), em busca de maior prestígio social correspondente à sua crescente opulência material.

Essas transformações foram necessárias para que algumas pessoas conseguissem acumular riquezas e investir na fabricação de mercadorias em outra escala de produção, voltada unicamente para vender no mercado. Esse processo é conhecido pelos historiadores como acumulação primitiva do capital. Perceba o que estava acontecendo: comerciantes que acumularam riquezas começaram a aplicar o seu capital, financiando e organizando a produção de mercadorias através da organização do processo de trabalho dos artesãos. Se prestarmos um pouco mais de atenção, veremos o quanto isso é importante: se antes, nas “corporações de ofício”, os artesãos ensinavam e aprendiam sob a supervisão de um mestre, comercializando o que produziam, agora eles estão a serviço de quem financia a produção, fornece a matéria-prima, as ferramentas e decide quantas horas por dia eles devem trabalhar. É partir desse momento que o trabalhador vai perdendo tudo o que possui para ficar apenas com a sua força de trabalho.

Rapidamente, a manufatura ganha força como uma segunda forma de organizar o trabalho nas corporações de ofício. O que muda na manufatura é que as tarefas começam a ser divididas. Se antes um artesão fazia um sapato, agora ele prepara a sola, o outro produz a parte da frente, outro ainda confecciona a parte de trás, até que, ao fim, se tenha um sapato feito por todos, mas por nenhum em particular. Nessa nova divisão do trabalho, o trabalhador não possui mais o entendimento de como um produto é feito. Ele não é mais artesão. Ele é trabalhador. Ou seja: ele já não é dono da matéria-prima, das ferramentas e, agora, já não detém nem o conhecimento do processo de produção. Já não sabe mais como fazer um sapato. Tudo o que ele tem é justamente a sua própria força de trabalho, que se transforma na única mercadoria que ele pode vender.

As inovações tecnológicas que foram incrementadas ao longo do século XVIII abriram uma nova fase no capitalismo. Na Inglaterra, a máquina de fiar, a máquina a vapor e o tear mecânico trouxeram um grande impacto na produção têxtil, fenômeno que ficou conhecido como revolução industrial. Os músculos humanos e a força animal foram, aos poucos, substituídos pela energia a vapor. Também foram descobertas maneiras mais poderosas de obtenção e utilização de matérias-primas. A transformação de terras comuns em propriedades privadas aumentou a produção de pastagens para criação de ovinos que forneciam a lã e expulsou os camponeses para os centros urbanos. Nas cidades, essas famílias passaram a viver na miséria extrema, tornando-se disponíveis para qualquer tipo de trabalho, não importando o quão baixos eram os salários ou o quão longa eram a jornada de trabalho. Por fim, os trabalhadores e a produção foram agrupados em um único local: a fábrica. Entrávamos, assim, no período da maquinofatura e do capitalismo industrial.

Tudo isso revolucionou não só o modo de produzir mercadorias, mas também a forma como o trabalhador se relacionava com a produção. Já vimos que na manufatura (predominante no capitalismo comercial), as tarefas foram divididas, de modo que nenhum trabalhador pudesse conhecer todas as etapas da produção. Com as inovações tecnológicas, o trabalhador apenas alimentava a máquina e regulava o seu funcionamento, de modo que a força de produção se encontrava fora dele. Não eram mais as ferramentas que serviam ao trabalhador. Era ele que agora servia à máquina, que o dominou e lhe ditou o ritmo de trabalho, impondo-lhe uma rotina monótona, regular e repetitiva que enriquecia cada vez mais os capitalistas.

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